O pior já passou ? (I)
O título desta nota é uma das
perguntas mais repetidas em tempos de crise, especialmente quando se trata de
uma crise de proporções equivalentes à de 1929. Há quem seja capaz de dar uma
resposta clara em meio ao cenário obscuro que se desfralda perante os olhos do
analista. De nossa parte, preferimos repisar alguns aspectos já abordados
difusamente nos últimos meses. Vejamos :
1. A crise de crédito iniciada em
meados do terceiro trimestre de 2008 ainda produzirá efeitos por mais alguns
anos. Um montante enorme de capital foi "queimado", o que reduz a
capacidade do sistema financeiro privado financiar o consumo e o investimento;
2. A perda de capital do sistema
financeiro privado se transformou numa crise fiscal de Estados de vez que
recursos públicos foram utilizados para resgatar, mesmo que imperfeitamente, o
sistema privado. Assim...
3. A capacidade de consumo e
investimento público também estão limitados, o que limita a criação de emprego
via dispêndios públicos;
4. As taxa de desemprego das economias
centrais devem permanecer elevadas por alguns anos, até que a produtividade
(mais produção com o mesmo quantum de fatores de produção)
cresça. O efeito é que o consumo está estagnado;
5. Faltam lideranças políticas capazes
de mudar as expectativas dos agentes e, com efeito, alterar a debilitada
confiança de consumidores e investidores;
6. Não houve alteração significativa
na forma de operar dos mercados. Os reguladores não conseguiram alterar
politicamente e de forma significativa os riscos sistêmicos relacionados à má
alocação de recursos, sobretudo no que tange à especulação;
7. O preço do petróleo, bem acima de US$ 100/barril, retira ainda mais o
poder de compra dos consumidores dos países centrais.
O pior já passou ? (II)
Em larga medida os fatores de risco
acima mencionados continuam presentes no cenário mundial e estão ainda a
espalhar seus efeitos, desta feita sobre os países menos desenvolvidos (ou
emergentes) dentre os quais o Brasil, a China e a Índia. Estes últimos começam
a dar sinais de que vão crescer menos do que se projetava há poucos meses,
sobretudo a China, que ainda cresce muito, mas bem menos (para os padrões
chineses) quando se analisam os últimos trimestres em relação aos imediatamente
anteriores. Paradoxalmente, é possível, e até mesmo provável, que os ativos
reais e financeiros dos países mais implicados com a crise se valorizem. Isso
se deve não propriamente em função de uma mudança estrutural nos frágeis
fundamentos, mas em função da queda do risco espelhado na volatilidade dos
mercados. Cai o risco, sobem os preços. É este fenômeno que estamos a
identificar nos diversos segmentos do mercado acionário norte-americano,
especialmente o de empresas tecnológicas (NASDAQ). No caso dos EUA, há tênues
sinais de recuperação, mesmo que não sejam ainda seguramente promissores. Assim
sendo, a nossa melhor visão indica que se esta calmaria atual permanecer mais
algum tempo, o valor dos ativos vai subir ainda mais. Não é o caso de se
desprezar os significativos riscos. Todavia, não é o caso de majorá-los.
O pior já passou ? (III)
Na opinião da diretora-gerente do
FMI, Christine Lagarde, já está passando sim. Embora alertando que há ainda
muito o que fazer, ela percebe "os mercados financeiros estão mais calmos
e os indicadores recentes sugerem um pequeno ímpeto na atividade econômica,
basicamente nos Estados Unidos" e que "existem sinais de que as
fortes ações de política econômica - especialmente na Europa - estão fazendo a
diferença".
O BC : mais transparente e menos
soberano
O anúncio da ata da última reunião do
Comitê de Política Monetária do BC deixou ao mercado o entendimento de que a
taxa básica de juros cai para o patamar de 9% e por aí fica por um bom tempo.
Há quem critique o BC por esta linguagem "surpreendente". A nosso ver
não há propriamente uma "surpresa". A mudança da linguagem da
autoridade monetária, mais transparente e previsível, chega em boa hora. O
futuro não é tão opaco desde 1929 e os BCs de todo o mundo têm procurado
demonstrar que estão mais ocupados com a recessão que com a inflação. Para isto
tem inovado na linguagem abandonando as frases mais tradicionais de seus
informes. O Brasil segue esta linha e está correto. O que nos parece mais
preocupante é que esta positiva mudança vem acompanhada por uma desconfiança
crescente de que a soberania operacional do BC está mais reduzida. O governo
parece interessado em dar as cartas na política monetária e isto não é
institucionalmente interessante, sobretudo quando os problemas estruturais da
economia brasileira estão se multiplicando e contaminando as expectativas dos
agentes ansiosos por investir. O governo precisa mostrar que está operando para
minorar os riscos macro e microeconômicos da economia brasileira, sem retirar
da autoridade monetária a necessária soberania operacional para agir em favor
do real. A bola esta com o Planalto e não com o BC.
E a caderneta de poupança ?
Ou o governo propõe uma mudança em relação à remuneração da caderneta de
poupança ou a política monetária do BC ficará limitada no que se refere à
redução dos juros. Dificilmente isto ocorrerá nestes meses pré-eleição, mas
esta questão é urgente e necessária.
O rumo do câmbio
É certo que o governo tem um
"arsenal" para tentar controlar a valorizada taxa de câmbio. Isto não
significa que as medidas combinadas com vistas a este objetivo vão funcionar
bem, sobretudo porque os efeitos são bem elásticos, seja sobre o mercado
financeiro, seja sobre a economia real. O maior risco de todos, a nosso ver, é
que uma queda mais forte dos preços das commodities possa
desvalorizar mais velozmente o real. Neste caso, podemos ter o recrudescimento
da inflação e os consequentes efeitos sobre a taxa de juros. E o tal do
"arsenal" pode ser inútil e o BC talvez tenha de mudar sua postura de
acomodação monetária mais rapidamente. É lógico que estamos falando de uma
hipótese ainda não muito visível, mas o governo deveria examinar esta
possibilidade para fins de estabelecer políticas macroeconômicas que evitem
riscos exacerbados.
A gerente e o seu perfil político
Ao que parece a presidente gostaria
de projetar para o seu imenso eleitorado a imagem de "gerente" em
detrimento da de "líder política". O noticiário carregado de
informações que dão conta de atrasos significativos no cronograma de obras
indica que o perfil tecnocrático pretendido pelos viventes palacianos de
Brasília está distorcido e pode contaminar o eleitorado mais à frente. Como as
coisas não vão bem também na arena política, há perda de identidade por parte
da presidente. Apesar disso, Dilma goza de invejável taxa de aprovação popular
por conta do "bom desempenho econômico". O fato é que a taxa de
emprego está menos exuberante e os ganhos de renda andam caindo. A paciência
popular pode tomar o sentido contrário e resvalar na popularidade presidencial.
O governo talvez esteja exagerando na crença de que são imbatíveis. Mas
enquanto o amparo popular bafejar a presidente, a rebeldia de seus aliados -
entre os rebeldes inclua-se parte do PT - será limitada.
Dilma em seus labirintos
Segundo tese que as fontes oficiais
fazem questão de alimentar, a mais recente crise política que Dilma está
enfrentando com seus parceiros é uma "crise da política" (ou dos
partidos), sem maiores consequências. Coisa de estômagos ávidos e mau
atendidos. Não é bem assim, porém, no mundo real, embora a dose de fisiologismo
esteja na origem das rebeliões contra a presidente. Tudo isso gera prejuízos sim,
imediatos e de longo prazo :
1. A necessidade de nomear gente não
qualificada para cargos no Executivo e de manter ministérios e órgãos e
secretarias inúteis torna o governo mais ineficiente ainda do que qualquer
governo normalmente já é e encarece seu custo para a sociedade.
2. Por causa desses desarranjos, o
governo já desistiu de levar adiante qualquer uma das reformas estruturais que
dariam mais segurança à economia nacional. A reforma tributária se restringirá,
se ocorrer, apenas ao fim da guerra do ICMS entre os Estados; a reforma
política dorme em berço esplêndido; a previdenciária vai se resumir à criação
do fundo de aposentadoria dos servidores federais; a trabalhista e sindical a
presidente acaba de descartar em conversa semana passada com líderes sindicais.
E assim por diante.
3. A ANTT já está parada, por falta de
quorum em sua diretoria para tomar decisões colegiadas.
4. Dificilmente será votado antes de
julho o Código Florestal.
5. As novas regras de distribuição dos royalties do petróleo continuam
suspensas, com prejuízos para os Estados e municípios que reivindicam parte
desses recursos e atrasos na licitação de novas áreas para exploração.
O fisiologismo e a articulação
política, ao contrário do senso comum, tem um custo elevadíssimo, não são para
serem tratadas como "coisas da politiquinha".
Não é dela apenas
A crise que Dilma vem enfrentado praticamente desde que tomou posse, em
intervalos cada vez menores entre um episódio e outro, não é uma crise do
governo Dilma somente, embora a situação se agrave pelo estilo da presidente. É
uma crise do "sistema político" de partilha do poder com um carrilhão
de partidos. A presidente pode até mudar isso. O problema é que...
...Dilma é de choque
Dilma parece não admitir ser contrariada. Lula também não. Que o diga o
senador Eduardo Suplicy, no index lulista desde que ousou disputar as prévias
presenciais petistas com o ex-presidente em 2002. Só que Lula tinha jogo de
cintura elástico, sabia como poucos usar o bambolê da política. Como se diz
popularmente, fazia com a arte do limão uma limonada. Dilma até agora só
mostrou que é capaz de fazer da limonada um limão. Carrega ressentimentos e os
expõe, às vezes com truculência, como se deu agora na demissão dos líderes.
Mantém ministros sob permanente tensão, com cenas de humilhação diante de
terceiros. Está colhendo os azedumes que espalha.
Líderes sem liderança ?
Eduardo Braga (Senado) e Arlindo
Chinaglia (Câmara) vão ter de esforçar muito para confirmarem na prática a
liderança que Dilma lhes entregou. Nenhum dos dois é conhecido por sua
habilidade política, ambos costumam ser ásperos e ríspidos, ao contrário de
seus antecessores, Romero Jucá e Cândido Vaccarezza. Mas Dilma não levou para
casa o desaforo da derrota de Bernardo Figueiredo (ANTT) no Senado nem as
conversas de Vaccarezza com os ruralistas para tentar mudar o texto do Código
Florestal aprovado pelo Senado. Deu o rompante e até terá de segurar a
ventania. Ontem, segunda-feira, ela já se meteu diretamente nas negociações
para a aprovação da Lei Geral da Copa, ação que até agora evitava fazer. Vai
ter se se meter cada vez mais.
Em fogo brando
Piora a situação o fato de a ministra das Relações Institucionais, Ideli
Salvatti, por culpa de seu estilo não raras vezes grosseiro, não estar mais nas
graças de seus liderados. Ideli está sendo cozinhada em banho-maria por gente
de diferentes partidos. Se não mudar, o óleo pode ferver e vai ser outra
enxaqueca para Dilma.
Eduardo tropeça
Não foi muito feliz do senador Eduardo Braga em algumas de suas
primeiras declarações como novo líder do governo no Senado, ao dizer coisas
como, por exemplo, "a política do 'toma lá, dá cá' está no passado" e
"os partidos terão direito de indicar, mas dentro de um novo
contexto". Primeiro, é confessar que esta prática era normal, o que a
presidente sempre fez questão de negar. Segundo, porque vai irritar os
parceiros, que também detestam se apontados publicamente como fisiológicos. E
terceiro, porque não é real : um governo que acaba de nomear o senador Marcelo
Crivella para o inútil ministério da Pesca e se prepara para recolocar o PDT no
ministério do Trabalho única e exclusivamente para adular aliados, não está
mudando nada. E os aliados tanto sabem disso que vão continuar chiando e
levando. O novo slogan do franciscanismo político pode até ser este : "É
chiando (ou chantageando) que se recebe".
Este sabe o certo
Veja-se o PMDB nesta história : está amuado, mas ficou quietinho, pois
sabe que as mudanças vieram para tudo permanecer como está. O PMDB teme mesmo é
que tentem lhe "roubar" a presidência da Câmara (e até a do Senado)
em 2013 e a vice-presidência da República em 2014.
Troco na agulha
Para lembrar a presidente Dilma de que ele existe, é forte e merece ser
bem tratado, o PMDB já prepara uma armadilha para o Palácio do Planalto :
escolhido por Renan Calheiros para relatar o Orçamento da União de 2013 no
mesmo dia em que foi escorraçado a liderança do governo no Senado, Romero Jucá
estuda a possibilidade de tornar as normas do orçamento impositivas e não
apenas autorizativas. Hoje, pela lei, o governo é "autorizado" a
gastar tanto em tais lugares. Não está obrigado. Se o Orçamento virar
impositivo, ele terá de cumpri-lo rigorosamente. Uma camisa de força para a
gestão da economia. E um possível desastre pela forma pouco séria como o
Congresso trata do assunto. Mas o PMDB sabe como pouco criar o perigo para depois
salvar a "mocinha".
Haddad na UTI
Lula não terá muito tempo de sossego
quando for liberado pelos médicos até o fim desse mês. A candidatura do
ex-ministro Fernando Haddad à prefeitura de SP inspira sérios cuidados. E
somente Lula, com muito esforço, pode tirá-la da UTI. Baixou o desânimo em uma
parte dos petistas. E há petistas com indisfarçável sorriso de vingança, com
cara de "eu não avisei". Para mal de todos os pecados do ex-ministro,
seu substituto na Educação, Aloizio Mercadante, sem querer ou querendo, está
"desconstruindo" sua gestão aos poucos.
Depois é que serão elas
Tudo indica que Serra levará as
prévias do PSDB paulistano neste domingo, contra os seus dois contendores na
disputa, o deputado Ricardo Trípoli e o secretário estadual José Aníbal. Mas o
processo todo, até pela ação tortuosa de Serra, deixará sequelas. E Serra nunca
foi bom aparador de arestas. Pelo contrário.
Radar NA REAL
16/3/12
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Mercado
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1.404,17
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NASDAQ
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3.055,60
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estável/alta
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(1) Títulos públicos e privados com prazo de
vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
Economista
e pós-graduado em finanças (IBMEC). Trabalha há vinte anos na área de mercado
de capitais, especialmente no segmento de administração de fundos e carteiras,
corporate finance e consultoria financeira. Foi Presidente da APIMEC-
Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado
de Capitais (2000/02).
José
Marcio Mendonça
Jornalista profissional, analista de riscos. Foi diretor da
Rádio Eldorado, de São Paulo, e chefe de redação da Sucursal Brasília dos
jornais "O Estado de S. Paulo" e "Jornal da Tarde". Editou
o "Caderno de Sábado", suplemento de cultura o JT. É editor do blog
"A política como ela é" e colunista do jornal "Diário do
Comércio" (SP).
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