Estado já pagou R$ 283 milhões às
empresas denunciadas por corrupção
RIO - Depois das denúncias do "Fantástico", o governo
estadual e a prefeitura anunciaram na segunda-feira a suspensão dos contratos
com as quatro empresas que apareceram numa reportagem do
"Fantástico", da Rede Globo, oferecendo propina para ganhar supostos
contratos com um hospital da UFRJ. A Locanty Soluções, a Toesa Service, a Bella
Vista Refeições Industriais e a Rufolo Serviços Técnicos e Construções, nos
últimos anos, figuraram com frequência nas licitações de ambos os governos, nas
mais diferentes secretarias. Só o estado, de 2008 a 2012, pagou R$ 283 milhões
às quatro. E a prefeitura, outros R$ 62,5 milhões, de 2008 até o ano passado.
Na segunda-feira, o governo do estado não revelou quantos
contratos tem em vigor com as empresas, nem seus valores. O secretário da Casa
Civil, Régis Fichtner, pediu aos secretários e presidentes de instituições
estaduais que verificassem a existência de contratos com essas firmas. Em caso
positivo, eles devem dar essa informação à Casa Civil.
Segundo a mensagem do secretário, a continuidade dos serviços
essenciais oferecidos pelas empresas será decidida caso a caso, em comum acordo
com a Secretaria da Casa Civil e a Procuradoria Geral do Estado.
No estado, só a Locanty - que na campanha eleitoral de 2010 doou
mais de R$ 3,3 milhões a comitês de sete partidos políticos, a maior parte ao
PMDB - recebeu R$ 181,3 milhões nos últimos cinco anos, em contratos com
secretarias como as de Saúde, Segurança, Ciência e Tecnologia, Obras e
Ambiente, além de instituições como o Tribunal de Justiça. Já a Bella Vista,
fornecedora de alimentos, levou R$ 53,2 milhões do estado. Só da Secretaria de
Administração Penitenciária (Seap) foram R$ 7,3 milhões no ano passado. Já a
Toesa, entre 2008 e 2012, recebeu R$ 27,9 milhões. E a Rufolo, R$ 20,5 milhões.
- É inadmissível o que foi visto ontem na matéria (do
"Fantástico"). É revoltante, é repugnante - disse o secretário
estadual de Saúde, Sérgio Côrtes.
Já a prefeitura, após determinar o cancelamento imediato dos
contratos, afirmou que analisará com a Procuradoria Geral do Município a melhor
solução para substituí-los. Em nota, o município diz não ter mais contratos em
vigor com a Toesa e a Rufolo. Mas mantinha contratos em andamento com a Locanty
(de R$ 6,1 milhões) e com a Bella Vista (de R$ 14,5 milhões).
No município, de 2008 a 2011, a Toesa recebeu os valores mais
altos: R$ 34,9 milhões, de órgãos como CET-Rio, Riotur e Secretaria de Saúde e
Defesa Civil. Já a Bella Vista recebeu da prefeitura, no mesmo período, R$ 16
milhões; a Locanty, R$ 11 milhões; e a Rufolo, R$ 163 mil.
O Tribunal de Contas do Município (TCM) vai realizar inspeções
extraordinárias em todas as empresas, analisando novamente os contratos e
verificando se eles estão sendo cumpridos adequadamente. Graças a uma
recomendação do órgão, a prefeitura rescindiu, em 2008, um contrato com a
Toesa, que, segundo o TCM, mandava ambulâncias com características diferentes
das contratadas, e em menor número, a hospitais do município.
A Secretaria de Ordem Pública, que fez um contrato de R$ 36
milhões com a Locanty para aluguel de reboques, precisou suspendê-lo em 2010,
após denúncia de que funcionários cobravam pela liberação de carros em
depósitos da prefeitura. Contratos da Bella Vista, desde 2006, ainda estão em
aberto, porque o TCM encontrou impropriedades que não foram esclarecidas.
As empresas também têm contratos com prefeituras do interior e da
Baixada Fluminense.
Dezessete pessoas vão ter que depor na Polícia Federal
Na segunda-feira, agentes da PF estiveram na sede das quatro empresas.
Dezessete pessoas foram convocadas e devem prestar depoimento ainda esta
semana. A Locanty e a Bella Vista informaram que já afastaram os funcionários
que aparecem na reportagem oferecendo vantagens ao repórter que se passou por
gestor do hospital. A ele os representantes das firmas contaram que todas as
licitações têm cartas marcadas, com a presença de concorrentes que entram com
preços mais altos para que determinada empresa, escolhida previamente entre
elas, ganhe. Também ofereceram propina de até 20%.
Na segunda-feira, em outro trecho da reportagem, exibido no
"Jornal Nacional", o representante de uma das empresas revelou ainda
que teria um contato com um auditor fiscal na Receita Federal para facilitar o
esquema de corrupção. A Receita informou que vai investigar o caso e, se
comprovada a participação do funcionário, ele será afastado.
CPI pode ser instauradapara apurar o caso
Além da reação da PF, uma enxurrada de outras providências foi
tomada ontem contra as empresas em diferentes esferas e órgãos públicos. Em
Brasília, as bancadas do PSDB na Câmara e no Senado se articularam para, numa
reunião hoje, tratar do recolhimento de assinaturas para instalar uma CPI mista
da Saúde. A ideia dos parlamentares é ressuscitar um requerimento apresentado
em abril de 2011, depois que O GLOBO revelou fraudes em série contra o SUS e no
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). A investigação precisa
do apoio de 171 deputados e 27 senadores.
- É grave. Essas firmas têm contratos com empresas da órbita federal,
estadual e municipal, e são generosas doadoras de campanha. Corrupção ampla,
geral e irrestrita da iniciativa privada, envolvendo também agentes públicos -
afirmou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
O Ministério da Educação, responsável pela unidade da UFRJ onde
foi feita a reportagem, informou que as quatro empresas não têm contratos
vigentes com os 46 hospitais geridos por ele. Por precaução, vai verificar se
as firmas mantêm contratos com universidades e, em caso positivo, prometeu
cancelá-los. Já o Ministério da Saúde informou que um contrato com a Bella
Vista, para o fornecimento de alimentação no Hospital do Andaraí, que estava
vigente, foi suspenso ontem.
A Controladoria Geral da União (CGU) informou que as quatro
empresas têm sido fiscalizadas constantemente. Em 2009, a CGU constatou que a
Locanty foi contratada para prestar serviço de coleta de lixo na UFRJ, por
dispensa emergencial, "embora tenha apresentado preços unitários
superiores em quase 180% aos apresentados por outra empresa concorrente".
A Rufolo foi citada pela CGU em outra fraude: de janeiro a maio de 2011, o
Hospital Federal Cardoso Fontes pagou pela lavagem de 72 toneladas de roupas que
não foi realizada.
- São fatos graves que, infelizmente, mostram artifícios que as
pessoas usam para desviar dinheiro público - disse o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo.
TCU: empresas podem ser declaradas inidôneas
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), as empresas podem ser
declaradas inidôneas e ficar, por até cinco anos, impedidas de participar de
licitações na administração federal. De acordo com o TCU, será analisada a
atuação das empresas em outras unidades. Em nota, o órgão disse que casos como
o da reportagem "são encontrados com frequência indesejada" em suas
apurações.
Enquanto isso, no Ministério Público Federal, procuradores da
República da área de saúde e da área criminal no Rio se reuniram ontem para
traçar diretrizes para investigações sobre as empresas.
- Vamos pedir ao TCU que inicie uma investigação relativa a
praticamente todos os hospitais universitários onde verificarmos indícios de
irregularidades, para que possamos verificar sobrepreços e cobrar dos gestores
públicos e corruptores também a devolução desses recursos - disse o procurador
Marinus Marsico.
As empresas também já foram punidas no Estado do Rio. Depois de
investigações do Ministério Público estadual em 2010, por exemplo, a Secretaria
estadual de Saúde chegou a proibir a participação da Toesa em suas licitações,
após denúncias de superfaturamento em contratos de manutenção de 111 veículos
de combate à dengue. Para fazer o serviço, a empresa cobrou um valor com o qual
era possível comprar nova frota e ainda sobrar dinheiro.
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