domingo, 10 de junho de 2012

EXISTE MESMO?


Justiça preciosa



LONDRES - "Quero oferecer todo o apoio do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, incluindo conselhos técnicos e treinamento. O Brasil esperou muito pela Comissão da Verdade, um passo essencial para clarificar os erros do passado". A mensagem é da alta comissária Navi Pillay, figura histórica da luta contra o apartheid na África do Sul e juíza da Suprema Corte na época da Comissão da Verdade e Reparação de seu país.
Uma das vozes mais influentes na defesa dos direitos humanos, Pillay tem uma história de heroína de ficção. Ninguém, nem a sua mãe, jamais a chamou pelo nome como foi batizada: Navanethem, algo como nove preciosas justiças. Virou Navi, mas, se nome é destino, o dela já prenunciava a sua trajetória de jurista internacional, uma carreira totalmente improvável para uma menina pobre da minoria tamil nascida há 70 anos na África do Sul sob o regime do apartheid. Por influência da sorte, conseguiu uma bolsa de estudos e, alojada num galpão de batatas, estudou Direito em Harvard. Mas nem o diploma do templo do saber americano foi capaz de abrir as portas do mercado sul-africano para a jovem recém-formada.
"Toda a banca era de brancos", diz.
No Brasil, Pillay seria morena, mas, na África do Sul daquele tempo, entrou para a História como a primeira mulher negra a montar um escritório de advocacia e ter, como cliente número 1, Nelson Mandela, ainda um preso político condenado à prisão perpétua, isolado do mundo em uma pequena cela em Robben Island.
"Até os presos políticos me pediam para levar os processos para os americanos, nem eles acreditavam em mim."
Mas a História estava do seu lado, e o ex-cliente, já presidente, nomeou-a para a Suprema Corte da África do Sul, ou seja, transformou-a na única juíza negra a acompanhar a revisão histórica do apartheid.
"A Comissão da Verdade e Conciliação nos ajudou a negociar com o passado. Só depois disso é que todo mundo conseguiu se mexer e se dedicar à construção de um futuro melhor", diz.
A comissão na África do Sul tinha mandato para levantar o passado, assim como conceder reparações às vítimas de perseguição e anistiar culpados. A juíza defende o modelo adotado em seu país, bem diferente do brasileiro, que pretende apenas tirar o passado dos porões e dos arquivos trancados, sem mexer na anistia geral e irrestrita do fim dos anos 70.
"Comissão da Verdade é uma estratégia de transição. Não pode servir para que a Justiça não seja feita, tem de responsabilizar os culpados", afirma, referindo-se ao caso brasileiro.
Os processos na África do Sul credenciaram Navi para a carreira internacional, e de novo ela fez história ao participar do Tribunal de Ruanda, na Tanzânia, quando, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, um genocídio foi julgado, e os culpados, condenados. Sua próxima parada foi na Europa: depois de uma passagem pelo Tribunal Penal Internacional, foi nomeada alta comissária de Direitos Humanos da ONU, substituindo a canadense Louise Arbour em 2008. A revista "Forbes" colocou-a no número 46 da lista das mulheres mais poderosas do planeta, um ranking que militantes de direitos humanos não costumam frequentar.
Na nova posição, o jogo é mais retrancado. Frequentemente acusado de falhar na ação contra os abusos de ditadores apegados ao poder, o Alto Comissariado de Direitos Humanos ficou reconhecidamente mais ágil sob o comando de Pillay. Foi rápido ao denunciar as atrocidades na Tunísia, no Egito e na Líbia. Mandou enviados para ajudar no tumultuado período após a queda dos regimes. Diante do espetáculo de barbárie protagonizado quase diariamente por Bashar al-Assad e suas milícias ilegais, foi a primeira a falar em intervenção na Síria para proteger os civis, mas agora defende o plano de Kofi Annan, considerado um fracasso por ele mesmo e por todo mundo. Pillay tem um sentimento de urgência em relação à Síria, mas a linguagem diplomática a impede de responsabilizar Rússia e China por bloquearem ações, assim como de criticar os países em cima do muro, como é o caso do Brasil.
"Enquanto falamos, pessoas morrem. Precisamos urgentemente de um consenso. Meu escritório recebeu novos relatos, diretamente das vítimas, de execuções, torturas com choques elétricos, queimaduras de cigarros, ameaças de estupro. Só uma solução negociada, com garantia de participação política de todos os sírios, pode evitar novos e mais absurdos banhos de sangue", afirmou.
De crise em crise é feito o cotidiano da alta comissária da ONU. Depois da frustração com a última reunião do Conselho de Direitos Humanos em que defendeu que Assad fosse julgado por crimes contra a Humanidade e genocídio, Pillay voou para uma missão no Paquistão, de onde saiu com promessas de coibir abusos e discriminação. A viagem era a consolidação de uma importante vitória que foi a entrada, pela primeira vez em 13 anos, de observadores internacionais no país. De lá, mandou mensagem para a Assembleia Geral da ONU pedindo ação na Síria e comemorou o que considerou um avanço das forças do bem no Brasil: a criação da Comissão da Verdade, um passo fundamental na direção de curar as feridas do passado.
Fantasma volta a rondar a Europa
Uma reedição do "Manifesto Comunista" converteu-se num inesperado sucesso de vendas na última Feira do Livro de Madri. É a crise mexendo com as emoções dos europeus, que também transformaram o americano Paul Krugman numa estrela pop. Seu livro vende que nem pão quente, e o rosto do economista Prêmio Nobel está estampado nos ônibus de Madri.

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