Justiça
preciosa
LONDRES - "Quero oferecer todo o apoio
do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, incluindo conselhos técnicos e
treinamento. O Brasil esperou muito pela Comissão da Verdade, um passo
essencial para clarificar os erros do passado". A mensagem é da alta
comissária Navi Pillay, figura histórica da luta contra o apartheid na África
do Sul e juíza da Suprema Corte na época da Comissão da Verdade e Reparação de
seu país.
Uma das vozes mais influentes na defesa dos
direitos humanos, Pillay tem uma história de heroína de ficção. Ninguém, nem a
sua mãe, jamais a chamou pelo nome como foi batizada: Navanethem, algo como
nove preciosas justiças. Virou Navi, mas, se nome é destino, o dela já
prenunciava a sua trajetória de jurista internacional, uma carreira totalmente
improvável para uma menina pobre da minoria tamil nascida há 70 anos na África
do Sul sob o regime do apartheid. Por influência da sorte, conseguiu uma bolsa
de estudos e, alojada num galpão de batatas, estudou Direito em Harvard. Mas
nem o diploma do templo do saber americano foi capaz de abrir as portas do
mercado sul-africano para a jovem recém-formada.
"Toda a banca era de brancos", diz.
No Brasil, Pillay seria morena, mas, na
África do Sul daquele tempo, entrou para a História como a primeira mulher
negra a montar um escritório de advocacia e ter, como cliente número 1, Nelson
Mandela, ainda um preso político condenado à prisão perpétua, isolado do mundo
em uma pequena cela em Robben Island.
"Até os presos políticos me pediam para
levar os processos para os americanos, nem eles acreditavam em mim."
Mas a História estava do seu lado, e o
ex-cliente, já presidente, nomeou-a para a Suprema Corte da África do Sul, ou
seja, transformou-a na única juíza negra a acompanhar a revisão histórica do
apartheid.
"A Comissão da Verdade e Conciliação nos
ajudou a negociar com o passado. Só depois disso é que todo mundo conseguiu se
mexer e se dedicar à construção de um futuro melhor", diz.
A comissão na África do Sul tinha mandato
para levantar o passado, assim como conceder reparações às vítimas de
perseguição e anistiar culpados. A juíza defende o modelo adotado em seu país,
bem diferente do brasileiro, que pretende apenas tirar o passado dos porões e
dos arquivos trancados, sem mexer na anistia geral e irrestrita do fim dos anos
70.
"Comissão da Verdade é uma estratégia de
transição. Não pode servir para que a Justiça não seja feita, tem de
responsabilizar os culpados", afirma, referindo-se ao caso brasileiro.
Os processos na África do Sul credenciaram
Navi para a carreira internacional, e de novo ela fez história ao participar do
Tribunal de Ruanda, na Tanzânia, quando, pela primeira vez desde a Segunda Guerra
Mundial, um genocídio foi julgado, e os culpados, condenados. Sua próxima
parada foi na Europa: depois de uma passagem pelo Tribunal Penal Internacional,
foi nomeada alta comissária de Direitos Humanos da ONU, substituindo a
canadense Louise Arbour em 2008. A revista "Forbes" colocou-a no
número 46 da lista das mulheres mais poderosas do planeta, um ranking que
militantes de direitos humanos não costumam frequentar.
Na nova posição, o jogo é mais retrancado.
Frequentemente acusado de falhar na ação contra os abusos de ditadores apegados
ao poder, o Alto Comissariado de Direitos Humanos ficou reconhecidamente mais
ágil sob o comando de Pillay. Foi rápido ao denunciar as atrocidades na
Tunísia, no Egito e na Líbia. Mandou enviados para ajudar no tumultuado período
após a queda dos regimes. Diante do espetáculo de barbárie protagonizado quase
diariamente por Bashar al-Assad e suas milícias ilegais, foi a primeira a falar
em intervenção na Síria para proteger os civis, mas agora defende o plano de
Kofi Annan, considerado um fracasso por ele mesmo e por todo mundo. Pillay tem
um sentimento de urgência em relação à Síria, mas a linguagem diplomática a
impede de responsabilizar Rússia e China por bloquearem ações, assim como de
criticar os países em cima do muro, como é o caso do Brasil.
"Enquanto falamos, pessoas morrem.
Precisamos urgentemente de um consenso. Meu escritório recebeu novos relatos,
diretamente das vítimas, de execuções, torturas com choques elétricos,
queimaduras de cigarros, ameaças de estupro. Só uma solução negociada, com
garantia de participação política de todos os sírios, pode evitar novos e mais
absurdos banhos de sangue", afirmou.
De crise em crise é feito o cotidiano da alta
comissária da ONU. Depois da frustração com a última reunião do Conselho de
Direitos Humanos em que defendeu que Assad fosse julgado por crimes contra a
Humanidade e genocídio, Pillay voou para uma missão no Paquistão, de onde saiu
com promessas de coibir abusos e discriminação. A viagem era a consolidação de
uma importante vitória que foi a entrada, pela primeira vez em 13 anos, de
observadores internacionais no país. De lá, mandou mensagem para a Assembleia
Geral da ONU pedindo ação na Síria e comemorou o que considerou um avanço das
forças do bem no Brasil: a criação da Comissão da Verdade, um passo fundamental
na direção de curar as feridas do passado.
Fantasma volta a rondar a Europa
Uma reedição do "Manifesto
Comunista" converteu-se num inesperado sucesso de vendas na última Feira
do Livro de Madri. É a crise mexendo com as emoções dos europeus, que também
transformaram o americano Paul Krugman numa estrela pop. Seu livro vende que
nem pão quente, e o rosto do economista Prêmio Nobel está estampado nos ônibus
de Madri.
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