Vá, lute, mas não vença!
BERLIM, Alemanha - A cada quatro anos, a chamada "silly
season", espécie de período de frivolidades, chega à Europa. Com seleções
de 16 países disputando a Eurocopa, os fãs se deleitam com um tipo de fervor
nacionalista que o continente luta para domesticar. "Algumas pessoas
acreditam que o futebol é uma questão de vida ou morte", disse o jogador
escocês Bill Shankly, morto em 1981: "Posso assegurar a vocês que é muito,
muito mais importante do que isso."
Tensões nacionais nascidas no campo de futebol têm peso até sobre
minha própria família, já que sou um alemão casado com uma italiana.
Entretanto, dessa forma estranha que o esporte se assemelha à vida, nos últimos
anos minha esposa foi ganhando fascínio pela Alemanha, que sediou a Copa do
Mundo de 2006 com sua equipe terminando em terceiro, e novamente na Copa de
2010, com um jovem e ousado estilo de jogo que trouxe novos simpatizantes
europeus e em todo o mundo para a seleção alemã, minha esposa incluída.
A Alemanha é a favorita para ganhar a Eurocopa 2012, em andamento
na Polônia e na Ucrânia, tendo contabilizado vitórias decisivas em seus
primeiros jogos (nesta sexta-feira, em Gdansk, enfrenta a Grécia pelas quartas
de final). A felicidade doméstica deve reinar em minha casa. Então, por que o
cara viciado em política externa que há em mim espera que a Alemanha perca?
O fato doloroso é que uma vitória alemã sobre o resto da Europa
reforçaria a noção que muitos europeus já cultivam: a de que o continente é governado
por uma nova superpotência regional.
No seu início, a adoção do euro era uma condição que os franceses
impuseram para concordar com a reunificação alemã. Paris acreditava, na época,
que uma moeda comum iria jogar a Alemanha para baixo e impedir que atingisse
todo o potencial do seu novo poder. Em vez disso, acontece hoje que o euro mais
parece o instrumento-chave para estabelecer o domínio de Berlim sobre a Europa
central.
Hoje, a Alemanha, que tem a maior população da Europa e de longe a
mais forte economia, é como um banqueiro de última instância para os países em
necessidade. Goza de uma baixa taxa de desemprego recorde, que a faz parecer
estranhamente separada do sofrimento de seus vizinhos em dificuldades.
Mesmo no melhor dos tempos, um flashback seria inevitável. Agora,
com a Alemanha estabelecendo as regras para a solução da crise do euro, um
sentimento de fúria começa a surgir. Jornais gregos regularmente fazem
escavações nada sutis ao tratar a chanceler alemã, Angela Merkel, como uma nazista.
Alguns colunistas britânicos escrevem que Berlim ergueu um "Quarto
Reich" sobre o continente - desta vez não pela força do seu exército, mas
com o impulso da moeda comum europeia.
Como minha esposa pode atestar, nem todo não-alemão odeia o país.
Uma recente pesquisa do Pew Global Attitudes revelou que a maioria dos europeus
ainda tem uma opinião favorável da Alemanha.
O verdadeiro problema está entre a elite política e da mídia em
Bruxelas e outras capitais europeias, onde um discurso antialemão está se enraizando,
e em lugares como a Grécia, onde o Pew descobriu que 78% dos pesquisados têm
uma opinião desfavorável sobre a Alemanha e 84% acham que a Sra. Merkel está
fazendo um trabalho ruim. Se a Alemanha tornar-se ainda mais poderosa, é apenas
uma questão de tempo antes que tais atitudes em relação ao país se propaguem
por toda a Europa.
Por mais que a União Europeia goste de acreditar que baniu a
política do poder, a tese permanece: se um país se torna muito poderoso, os
demais vão se juntar contra ele.
Foi o que aconteceu com os Estados Unidos após a Guerra Fria, que
deveria marcar o fim dessa história - e, portanto, o fim da política
internacional como a conhecemos. No entanto, o neorealista Kenneth N. Waltz
escreveu, no ano 2000: "Como a natureza abomina o vácuo, também a política
internacional abomina o desequilíbrio de poder." Ele previu que outros
poderes naturalmente se juntariam como um contrapeso na ordem internacional -
e, previsivelmente, durante a guerra no Iraque, Rússia, França e Alemanha construíram
um eixo contra Washington.
O que era verdade para os americanos numa escala global é válido
agora para a Alemanha, em nível europeu. Vimos como triunfalismo americano do
presidente George W. Bush plantou as sementes para um declínio subsequente na
posição global dos Estados Unidos. E os alemães não devem repetir o mesmo erro
no continente.
É claro que é injusto colocar o ônus da política de poder
internacional sobre os ombros dos jogadores de futebol, que só querem fazer o
que sabem melhor: marcar gols e vencer suas partidas. Mas a Eurocopa é um
momento tão bom quanto qualquer outro para a Alemanha reconhecer que nossa
imagem no mundo mudou completamente nos últimos anos. Nas décadas posteriores à
Segunda Guerra Mundial, nos mantivemos discretos, fingindo parecer menos
importantes do que éramos. Agora, entramos num período em que os outros pensam
que somos mais poderosos e engenhoso do que realmente somos.
Após a queda do comunismo e a reunificação das duas Alemanhas, o
país teve que aprender a agir como um verdadeiro estado soberano novamente.
Agora, precisamos aprender a lição seguinte: usar o poder alemão sabiamente, e
com uma boa porção de humildade.
Se a equipe alemã tiver a sorte de chegar à final do campeonato e
conquistá-lo, terei prazer em juntar-me a quase todo mundo na Alemanha em
comemoração. Mas, se os nossos rapazes perderem, vou me consolar com o fato de
que eles terão feito um grande serviço à política externa do seu país.
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