Brasileiros têm dificuldades ao voltarem para casa no
interior de SP
Crise nos países
desenvolvidos é um dos fatores de tamanha volta.
Itamaraty tem cartilha que
ajuda na readaptação do ‘estrangeiro’ ao Brasil.
Sempre
ficamos sabendo ou temos alguma pessoa conhecida que deixou o Brasil e foi
tentar sua vida em outro país. Essa é uma realidade de várias pessoas que vivem
no interior de São Paulo. Segundo
o Itamaraty, 20% dos brasileiros que viviam nos Estados Unidos, 25% dos
brasileiros que estavam no Japão e boa parte dos brasileiros que estavam na
Europa já retornaram ao Brasil de mala e cuia por causa da recessão nos países
– a chamada crise dos países desenvolvidos, e também do bom desempenho da
economia brasileira.
Dados apontam que 25% dos brasileiros queestavam no Japão já retornaram
Aliado ao fator econômico, a nostalgia, perda de liberdade,
frustração e decepção também fazem parte desse anseio de retornar à própria
casa. E nesse trajeto de volta, mais problemas: estas pessoas têm enfrentando
dificuldades enormes para se readaptar ao Brasil e para se recolocar no mercado
de trabalho, o que, de acordo com psicólogos, é chamada 'síndrome do regresso'.
O que era para ser maravilhoso, também se torna um problema.
Esse foi um retrato de Karla Botaro. A jovem, que atualmente
está no interior paulista, morou dois anos na Irlanda, em Dublin. Ela foi
apenas com intenção de ficar seis meses e aprender inglês, mas acabou fazendo
dois cursos de inglês, um de administração e conseguiu um emprego rentável no
país. Ela conheceu quase toda a Europa, se encantou em um primeiro momento pela
cultura e pela troca de experiências, além da estabilidade que o exterior
proporcionava – morou com pessoas do México, China, França, Polônia e da
própria Irlanda.
“Isso me encantou por muito tempo e então veio a crise de 2008.
Muita gente perdeu o emprego e voltou para o país de origem. Eu ainda tinha
minha vaga, mas comecei a disputá-la com irlandeses, que perderam seus
empregos na Inglaterra ou USA e voltaram para casa. Comecei a sentir saudade de
casa, do calor, da família e achei que estava pronta para voltar, com
experiência de trabalho e estudos que poderiam ser valorizadas”, relatou Karla.
Karla passeando em um ônibus e conhecendo a cultura pelas ruas de Dublin
Foi
neste momento que ela teve seu choque de realidade. “Voltei para casa numa
segunda-feira e já enfrentei duas horas de trânsito de Guarulhos até São Paulo,
coisa que eu já não me lembrava que existia mesmo depois de ir a Londres e
Roma, cidades bem cheias também. Na quarta-feira, fui assaltada. Voltei a ficar
desconfiada e com medo por onde andava. Comecei a reparar na educação das
pessoas, simples atitudes como jogar lixo no chão me horrorizavam. Metro,
ônibus, trem - tudo caro e lotado. O próximo choque foi ao ver que meu
currículo e investimento não eram assim tão valorizados”, desabafou.
Pensando na tamanha dificuldade de readaptação do brasileiro ao
seu próprio país, o Itamaraty lançou um "Guia de Retorno ao Brasil",
que atualmente é distribuído nas embaixadas. Normalmente, de acordo com o
próprio Itamaraty, o brasileiro demora até dois anos para se readaptar.
Enquanto esta no exterior, ele vive uma utopia e vê seu país de uma forma
ilusória. Ao pisar no Brasil, não somente ele, mas amigos e famílias também
mudaram bastante durante o tempo em que ele esteve fora e este choque tem
bastante impacto em sua adaptação.
Karla
aprova a distribuição da cartilha, diz que é algo essencial e serve como um
guia mesmo para quem está retornando, e ainda relatou o tempo que demorou para conseguir assimilar
todas as mudanças. "Quase três anos se passaram e apenas agora estou
estabilizada, finalmente morando sozinha, com o dinheiro meio que contado, mas
prefiro assim. Ainda quero ir para o exterior, mas agora para um curso ou para
um trabalho temporário. Não quero mais nada de aventuras, de ir e ver no que
dá, quero algo concreto", finaliza.
Repercussão da crise e terremoto do Japão
Na região de Marília (SP), muitos decasséguis, como são chamados os descentes de japoneses, partiram para país de seus pais e avós para trabalhar e conseguir guardar dinheiro. No entanto, parte deles começou a fazer o caminho de retorno também após a crise mundial de 2008 e também do terremoto seguido de tsunami, que assolou o país em março do ano passado.
Estimava-se
que só na região de Bastos, que
fica a 97 km de Marília, cinco mil decasséguis trabalhavam no Japão antes do
tsunami. Moradores de Marília, Jefferson Akira Chinen e Adriana da Silva
Pereira Chinen, retornaram ao Brasil logo depois dos terremotos. Jefferson
vivia no Japão há 11 anos e Adriana há cinco. Ele contou que a ideia já era
voltar para o país e, depois dos desastres, o casal resolveu apressar o
retorno.
“Nós já estamos pensando em voltar, já tínhamos ficado muito
tempo no Japão e depois do terremoto a gente decidiu que era hora de retornar
ao Brasil”, conta. Mas, o retorno não foi muito fácil. “Nós passamos por um período
instável depois da crise de 2008, só com empregos temporários, mas, no começo
do ano passado tínhamos entrado em uma empresa que estava super bem, só que
veio aquele terrível tsunami e resolvemos fazer as malas e voltar. No começo
foi muito difícil porque a vida aqui é muito diferente, lá no Japão nós
trabalhávamos 12 horas por dia”, afirma Adriana.
5 mil dekasseguis de Bastos viviam no Japão antesdo terremoto.
Ela
conta ainda que teve dificuldade para conseguir um emprego no Brasil. “Demorei
8 meses para conseguir um trabalho, o Jefferson conseguiu mais rápido.
Encontrei muita dificuldade de conseguir um serviço na área que eu trabalhava
antes de ir pro Japão, pois estacionei nos meus estudos e curso, então resolvi
mudar de ramo”.
Apesar das dificuldades da readaptação, Adriana não pretende
sair mais do Brasil. “Podemos até voltar para Japão, mas, a passeio, para
trabalhar eu não volto mais”, completa. Também morador de Marília, o
comerciante Nelson Tadashi Umezawa, deixou o Japão após ser demitido do fábrica
onde trabalhava devido à crise que se instalou no país em 2008. Ele morou no
Japão por 14 anos com objetivo de juntar dinheiro e a saudade da família, da
mulher e as duas filhas, foi também um dos motivos do retorno.
“Queria ficar com a minha família e depois que perdi o emprego
no Japão achei que era o momento de voltar para casa”, afirma. Umezawa diz que
o mais difícil da adaptação a remuneração que se ganha no Brasil. “Aqui é mais
difícil arrumar um emprego, ainda mais quando não tem experiência na carteira
de trabalho, muito estudo e quando consegue o salário é baixo. No Japão é
possível ganhar dinheiro mesmo com um trabalho braçal”. Ele ficou seis meses
parado antes de conseguir uma vaga em uma cooperativa que trabalha com produtos
agropecuários.

“Uma
das dificuldades foi conseguir emprego. Quando estava parado, só ajudando na
loja da família pensei em voltar para Japão, mas, a convivência com as minhas
filhas foi mais importante e meu objetivo é ficar de vez no Brasil”, afirma.
Já na região de Itapetininga (SP),
a crise do Japão também afetou seus descendentes. É o caso de Rie Tateishi, que
também retornou ao Brasil e está desempregada. Segundo ela, o salário abaixou
muito quando estava lá, e com as despesas de aluguel, água, luz, telefone, não
conseguia guardar dinheiro. Rie foi para o Japão após terminar o ensino médio
com 20 anos. Morou por 14 anos, agora que voltou ao Brasil está tendo
dificuldades de se adaptar, tanto por conta de emprego, como pela cultura.
A jovem também disse que
encontrou grande dificuldade de achar emprego por não ter especialização em
nada, já que apenas trabalhou muitos anos em fábricas de peças de carro. Em um
desabafo, Rie conta que não pretende mais voltar ao Japão por questão de saúde
da sua mãe, pois passou muitos anos longes e precisa cuidar dela. Sobre o
futuro no Brasil e sua adaptação, ela finaliza: “Agora pretendo estudar, fazer
cursos e cuidar da minha casa”.
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