Supremo decide por 8 a 2 que aborto de feto sem cérebro
não é crime
Com a decisão, STF libera
a interrupção de gravidez de feto anencéfalo.
Lei criminaliza aborto,
com exceção dos casos de estupro e risco para mãe.
Após
dois dias de debate, o Supremo Tribunal
Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (12) que grávidas de fetos
sem cérebro poderão optar por interromper a gestação com assistência médica.
Por 8 votos a 2, os ministros definiram que o aborto em caso de anencefalia não
é crime.
A decisão, que passa a valer após a publicação no "Diário
de Justiça", não considerou a sugestão de alguns ministros para que fosse
recomendado ao Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina que
adotassem medidas para viabilizar o aborto nos casos de anencefalia. Também
foram desconsideradas as propostas de incluir, no entendimento do Supremo,
regras para a implementação da decisão.
Plenário do Supremo durante julgamento do aborto de feto sem cérebro nesta quinta
O
Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco
à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Para a
maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a gravidez diante do
diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica.
Aliado ao sofrimento da gestante, o principal argumento para permitir a
interrupção da gestação nesses casos foi a impossibilidade de sobrevida do feto
fora do útero.
“Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No
caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é
biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto,
não gozando de proteção estatal. [...] O anencéfalo jamais se tornará uma
pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura.
Anencefalia é incompatível com a vida”, afirmou o relator da ação, ministro
Marco Aurélio Mello.
Ao
final do julgamento, uma manifestante se exaltou e os ministros deixaram o
plenário enquanto ela gritava palavras de ordem. "Eu tenho vergonha. Hoje
para mim foi rasgada a Carta Magna. Se ela não protege os indefesos, que dirá a
nós", disse Maria Angélica de Oliveira Farias, advogada e participante de
uma associação de espíritas.
O voto do ministro Marco Aurélio foi acompanhado pelos ministros
Ayres Britto, Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen
Lúcia e Celso de Mello. Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, presidente da
corte, foram contra. O caso foi julgado por 10 dos 11 ministros que compõem a
Corte. Dias Toffoli não participou porque se declarou impedido, já que, quando
era advogado-geral da União, se manifestou publicamente sobre o tema, a favor
do aborto de fetos sem cérebro.
"Um bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente
e incapaz de sentir dor. Apesar de que alguns indivíduos com anencefalia possam
viver por minutos, a falta de um cérebro descarta complementarmente qualquer
possibilidade de haver consciência. [...] Impedir a interrupção da gravidez sob
ameaça penal equivale à tortura”, disse o ministro Luiz Fux.
O entendimento do Supremo valerá para todos os casos
semelhantes, e os demais órgãos do Poder Público estão obrigados a respeitá-lo.
Em caso de recusa à aplicação da decisão, a mulher pode recorrer à Justiça para
interromper a gravidez.
A
decisão foi tomada pelo STF ao analisar ação proposta em 2004 pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que pediu ao Supremo a permissão para, em
caso de anencefalia, ser interrompida a gravidez.
Os ministros se preocuparam em ressaltar que o entendimento não autoriza
“práticas abortivas”, nem obriga a interrupção da gravidez de anencéfalo.
Apenas dá à mulher a possibilidade de escolher ou não o aborto em casos de
anencefalia.
“Faço questão de frisar que este Supremo Tribunal Federal não
está decidindo permitir o aborto. [...] Não se cuida aqui de obrigar. Estamos
deliberando sobre a possibilidade jurídica de um médico ajudar uma pessoa que
esteja grávida de feto anencéfalo de ter a liberdade de seguir o que achar o
melhor caminho”, disse Cármen Lúcia.
Julgamento
O julgamento começou na manhã desta quarta-feira (11) e cerca de sete horas depois foi interrompido quando já havia cinco votos favoráveis à permissão de aborto de anencéfalos.
O primeiro dia foi marcado por vigílias de grupos religiosos e
de defesa da vida e pela presença, no plenário, de mulheres que sofreram
gravidez de feto anencéfalo e de uma criança que chegou a ser diagnosticadascom
a doença e sobreviveu após o parto. A sessão foi retomada na tarde desta quinta
com o voto do ministro Ayres Britto, em defesa do aborto diante do diagnóstico
de anencefalia. Foram mais de seis horas de julgamento nesta quinta - cerca de
13 horas de debates no total.
“[O aborto do feto anencéfalo] é um direito que tem a mulher de
interromper uma gravidez que trai até mesmo a ideia-força que exprime a locução
‘dar à luz’. Dar à luz é dar à vida e não dar à morte. É como se fosse uma
gravidez que impedisse o rio de ser corrente”, afirmou o ministro Ayres Britto,
cujo voto definiu a maioria dos ministros a favor do aborto de feto anencéfalo.
Celso de Melo destacou que a gravidez de anencéfalo "não
pode ser taxada de aborto". "O crime de aborto pressupõe gravidez em
curso e que o feto esteja vivo. E mais, a morte do feto vivo tem que ser
resultado direto e imediato das manobras abortivas. [...] A interrupção da
gravidez em decorrência da anencefalia não satisfaz esses elementos."
Tema controverso
O pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde foi atendido pelo STF após oito anos de tramitação do processo. Em 2004, o relator chegou a liberar o aborto de anencéfalos em decisão liminar (provisória), que meses depois foi derrubada pelo plenário. Em 2008, audiências públicas reuniram cientistas, médicos, religiosos e entidades da sociedade civil para discutir o tema controverso.

O ministro Marco Aurélio Mello, que relatou a ação
que pediu liberação do aborto para feto anencéfalo
que pediu liberação do aborto para feto anencéfalo
Para a entidade, não se trata de aborto, mas da
“antecipação terapêutica do parto”, diante da inviabilidade de sobrevivência do
feto.
"A interrupção nesses casos não é aborto.
Então, não se enquadra na definição de aborto do Código Penal. O feto
anencefálico não terá vida extrauterina. No feto anencefálico, o cérebro sequer
começa a funcionar. Então não há vida em sentido técnico e jurídico. De aborto
não se trata", afirmou o advogado da entidade, Luís Roberto Barroso
durante sua sustentação oral no plenário do STF.
Entidades religiosas
O ministro Gilmar Mendes criticou a opção do relator por não incluir como partes da ação entidades religiosas. Para ele, o debate precisava ser “desemocionalizado”.
O ministro Gilmar Mendes criticou a opção do relator por não incluir como partes da ação entidades religiosas. Para ele, o debate precisava ser “desemocionalizado”.
“Essas entidades são quase que colocadas no
banco dos réus como se tivessem fazendo algo de indevido e não estão. É preciso
ter muito cuidado com esse tipo de delírio desses faniquitos anticlericais”,
afirmou Mendes.
Divergência
Apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso se manifestaram contra o aborto de fetos sem cérebro, entre os dez que analisaram o tema.
Apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso se manifestaram contra o aborto de fetos sem cérebro, entre os dez que analisaram o tema.
Para Lewandowski, o Supremo não pode
interpretar a lei com a intenção de “inserir conteúdos”, sob pena de “usurpar”
o poder do Legislativo, que atua na representação direta do povo. Ele afirmou
que o assunto e suas consequências ainda precisam ser debatidos pelos
parlamentares.
"Uma decisão judicial isentando de sanção
o aborto de fetos anencéfalos, ao arrepio da legislação existente, além de
discutível do ponto de vista científico, abriria as portas para a interrupção
de gestações de inúmeros embriões que sofrem ou viriam sofrer outras doenças
genéticas ou adquiridas que de algum modo levariam ao encurtamento de sua vida
intra ou extrauterina", disse.
O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso,que se manifestou contra o aborto de feto sem
cérebro
Peluso comparou o aborto de fetos sem cérebro ao racismo e também falou em "extermínio" de anencéfalos. Para o presidente do STF, permitir o aborto de anencéfalo é dar autorização judicial para se cometer um crime.
"Ao feto, reduzido no fim das contas à condição de lixo ou
de outra coisa imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a
menor consideração ética ou jurídica nem reconhecido grau algum da dignidade
jurídica que lhe vem da incontestável ascendência e natureza humana. Essa forma
de discriminação em nada difere, a meu ver, do racismo e do sexismo e do
chamado especismo", disse Peluso.
"Todos esses casos retratam a absurda defesa em absolvição
da superioridade de alguns, em regra brancos de estirpe ariana, homens e ser
humanos, sobre outros, negros, judeus, mulheres, e animais. No caso de
extermínio do anencéfalo encena-se a atuação avassaladora do ser poderoso
superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a um incapaz de prescindir
à agressão e de esboçar lhe qualquer defesa", completou o presidente do
STF, que proferiu seu voto antes de proclamar o resultado do julgamento.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, citou dados da Organização Mundial
de Saúde (OMS), referentes ao período entre 1993 e 1998, segundo os quais o
Brasil é o quarto país no mundo em incidência de anencefalia fetal, atrás de
Chile, México e Paraguai. De acordo com o ministro Gilmar Mendes, dos 194
países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), 94 permitem o aborto
quando verificada a ausência parcial ou total de cérebro no feto.
A chamada anencefalia é uma grave malformação fetal que resulta
da falha de fechamento do tubo neural (a estrutura que dá origem ao cérebro e a
medula espinhal), levando à ausência de cérebro, calota craniana e couro
cabeludo. A junção desses problemas impede qualquer possibilidade de o bebê
sobreviver, mesmo se chegar a nascer.
Estimativas médicas apontam para uma incidência de
aproximadamente um caso a cada mil nascidos vivos no Brasil. Cerca de 50% dos
fetos anencéfalos apresenta parada dos batimentos cardíacos fetais antes mesmo
do parto, morrendo dentro do útero da gestante, de acordo com dados da
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Um pequeno percentual desses fetos apresenta batimentos
cardíacos e movimentos respiratórios fora do útero, funções que podem persistir
por algumas horas e, em raras situações, por mais de um dia. O diagnóstico pode
ser dado com total precisão pelo exame de ultrassom e pode ser detectado em até
três meses de gestação.
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