terça-feira, 10 de abril de 2012

O PÃO NOSSO DE CADA DIA - ONDE ENCONTRAR?


Alimento para o espírito



Engana-se quem acha que a onda de pães gourmet é mais um modismo de um mercado gastronômico ávido por novidades. A abertura de várias casas em São Paulo e no Rio, nas próximas semanas, somada às que já existem, confirma que o produto artesanal começa a ganhar seu merecido lugar na mesa nacional. Já era hora de se produzirem aqui as mesmas delícias de crosta crocante, com fermentação natural, que há muito tempo existem na Europa e nos Estados Unidos.
Em São Paulo, o epicentro desse movimento acontece no bairro boêmio da Vila Madalena, onde acaba de completar um ano uma das melhores padarias da cidade, a Julice Boulangère. Em maio, a poucos quarteirões dali, devem ser inauguradas mais duas: a quarta unidade da Pão e a primeira filial brasileira da Le Pain Quotidien, rede criada pelo belga Alain Coumont, que já tem 270 lojas em 17 países.
Outra novidade paulistana é a Jelly Bread, que abre as portas neste mês, num endereço sofisticado e tradicional da cidade, no Jardim Europa, onde durante décadas funcionou o restaurante Pandoro. Apesar do nome inglês, quem faz os pães é o italiano Raffaele Mostaccioli, que vive no Brasil há 20 anos e traz a cultura da panificação como herança familiar de várias gerações. A padaria fica ao lado do restaurante Girarrosto, pertence aos mesmos donos - Paulo Barros e Paulo Kress - e terá entrada independente.
A produção de pães começou no fim de fevereiro, apenas para atender aos frequentadores do restaurante recém-aberto. Os pães que chegam à mesa quentinhos, em pequenas tábuas, são os mesmos que serão vendidos na padaria. Há vários tipos: italiano, ciabatta, centeio com erva-doce, integral. Todos utilizam fermentação natural e são assados em baixa temperatura. Mostaccioli pretende desenvolver receitas regionais italianas e francesas, além de técnicas novas. 'O universo do pão é tão grande que sempre haverá novidades', diz ele, feliz por trabalhar com um produto simples, cheio de significados - mesmo para os não religiosos, é um alimento para compartilhar.
Os ingredientes básicos são os mais simples: farinha, água, sal e fermento. Mas a qualidade de cada um e a maneira de reuni-los fazem toda a diferença. O pão francês, vendido nas padarias comuns em várias fornadas ao longo do dia, é cada vez mais industrializado. As panificadoras compram dos grandes moinhos uma pré-mistura de farinha, fermento e sal. Basta colocar água e o pão sai em quatro horas. Mas os que utilizam fermento natural podem levar até 36 horas para ficar prontos. Trabalhoso como no passado, esse estilo de produção artesanal vive um momento de resgate em todo o mundo e começa a virar moda por aqui.
Para explicar a diferença entre as duas modalidades, Julice Vaz, proprietária da Julice Boulangère, conta um pouco de sua rotina. Com dois dias de antecedência, ela calcula o volume que pretende vender e prepara os pré-fermentos (em geral, uma combinação de três tipos). No dia seguinte, os pães são amassados e guardados numa câmara. Depois de 24 horas, começam a ser assados em várias fornadas, conforme a necessidade. 'Quando o pão acaba, acaba - não há como dar um jeito. Se calculei errado, deixo de vender', conta.
No ano passado, quando abriu a loja, Julice gastava 250 quilos de farinha por mês. Agora, usa duas toneladas. Mas seu crescimento é passo a passo. Se determinado tipo de pão acabou no dia, na próxima programação ela faz duas unidades a mais. E assim por diante. Atualmente, oferece mais de 40 variedades, que podem ser compradas na loja ou consumidas nas mesas do pequeno café ao lado. O mais vendido é o pão de linhaça com castanha-do-pará, que leva 80% de farinha integral, como a maioria dos seus produtos. Apenas o brioche é 100% integral. Isso porque ela acredita que a integralidade total não é do gosto do brasileiro.
Curiosamente, foi o desafio de fazer um produto 100% integral que levou o cearense Rafael Rosa a abrir a Pão - Padaria Artesanal Orgânica, há cinco anos, em São Paulo. Ele estudava hotelaria na Les Roches, famosa escola suíça, quando o empresário e padeiro francês Lionel Poilâne (1945-2002) foi lá dar uma palestra. Anos depois, ao conhecer a padaria Poilâne em Paris, que continua como uma das mais prestigiadas da cidade, mesmo após a morte do proprietário num acidente, Rafael decidiu estudar panificação. Mas seguiu para São Francisco, nos Estados Unidos, onde a cultura de orgânicos é fortíssima.
De volta ao Brasil, criou a Pão, primeira padaria artesanal de São Paulo somente com ingredientes orgânicos. A dificuldade inicial foi achar fornecedores que garantissem volume e frequência das entregas. O trigo, por exemplo, ele foi encontrar no Paraná, numa produção agrícola familiar, que começou por fornecer 200 quilos por mês. Hoje, com três lojas e a caminho da quarta, o consumo mensal subiu para uma tonelada e meia. A rede oferece nove variedades assadas na pedra e elaboradas com farinha orgânica, sal do Himalaia, grãos, nozes ou frutas secas.
No Rio de Janeiro, o mercado para pães artesanais também é crescente, em especial no bairro do Jardim Botânico. Foi ali que, em 2010, a La Bicyclette foi aberta por Ana Paula Gentil e seu marido, o francês Henri Forcellino, antes professores do Liceu Molière. Agora em abril, eles inauguram a primeira filial no Espaço Tom Jobim, dentro do próprio Jardim Botânico, que também terá bar e café. Com os pães, Ana Paula pretende difundir um modo de pensar e de viver: 'Não usamos plásticos, não vendemos produtos industriais e damos preferência aos pequenos produtores, à agricultura local, sustentável. Usamos muitos produtos orgânicos'.
Nos finais de semana, a La Bicyclette produz 500 croissants por dia. Os pães especiais - de figo com erva-doce, damasco com avelã ou nozes com passas - têm 300 gramas e custam R$ 12. O gasto mensal de farinha é da ordem de duas toneladas e deve aumentar. 'Temos alguns concorrentes surfando na onda dos pães artesanais, e a demanda dos consumidores cariocas tende a crescer', afirma. Sinal disso é que o chef Dominique Guerin, ex-pâtissier do restaurante Le Pré Catalan, abriu em Copacabana, no fim de março, a Boulangerie Guerin, misto de padaria artesanal e confeitaria.
Para não correr riscos num mercado ainda desconhecido, o empresário paulistano Pedro Robell trabalha apenas por encomenda. Ele abriu sua fábrica de pães artesanais em 2005, em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (PR). A Casa Robell fica em um condomínio fechado, e tem uma lojinha de fábrica. Atende restaurantes, hotéis, bufês e um supermercado. O preço dos pães varia de R$ 12 a R$ 40 o quilo. A produção é bastante pequena e as instalações e equipe permitem dobrá-la - coisa que Robell não está certo se acontecerá em breve. 'As pessoas adoram meu pão, mas não querem pagar. Acho que em Curitiba, exceto alguns clientes, a maioria ainda só se interessa por custo. Muitos empresários ainda não perceberam que o pão não é apenas um segurador de recheio para sanduíches, mas um ingrediente que precisa ser tratado com a mesma atenção que um salmão ou outro produto nobre.'
Legendas:
Baguete artesanal rústica da Jelly Bread, que abre as portas neste mês, em São Paulo
Em sentido horário: na Pão, produto 100% integral; na Casa Robell, o naan indiano, mas em forma de hambúrguer; na Julice Boulangère, pão de figo seco e provolone, área externa para os clientes e a proprietária, Julice Vaz.
Box:

Onde encontrar

? Casa Robell: Rua Jaguariaíva, 101, Alphaville Graciosa, Pinhais, PR.
            (41) 3557-4094      .
? Boulangerie Guerin: Av. Nossa Senhora de Copacabana, 920, loja A,
Rio de Janeiro, RJ
? Jelly Bread: Avenida Cidade Jardim, 60,
Jardim Europa, São Paulo, SP. Inauguração prevista para abril
? Julice Boulangère: Rua Deputado Lacerda Franco, 536, Pinheiros.
São Paulo, SP.             (11) 3097-9144      .
? La Bicyclette: Rua Pacheco Leão, 320, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ.
            (21) 3256-9052      .
? Pão - Padaria Artesanal Orgânica: Rua Bela Cintra, 1.618, Jardins.
São Paulo, SP.             (11) 2193-2116      .

Nenhum comentário: