Em meio a revoltas, guardas gregos sofrem para trabalhar
'imóveis'
Pés congelados,
sobrancelhas suadas e curiosidade alheia são perigos.
Ultimamente, porém, as coisas ficaram bem mais complicadas.
Não é
fácil ser um membro da Guarda Presidencial da Grécia,
os soldados que, usando impecáveis uniformes, ficam imóveis no Túmulo do
Soldado Desconhecido. Pés congelados, sobrancelhas suadas e a curiosidade das
crianças - que cutucam e chutam os guardas para conferir se eles estão
realmente vivos - são apenas alguns dos perigos.
Ultimamente, porém, as coisas ficaram bem mais complicadas.
O túmulo fica bem em frente ao Parlamento, na Praça Sintagma -
ponto central das muitas revoltas que surgiram desde que a Grécia começou a
impor medidas de austeridade.
Ao longo do último ano, manifestantes enfrentaram diversas vezes
os policiais de choque, muitas vezes a alguns metros dos guardas - que só podem
se mover uma vez a cada 30 minutos, e apenas para realizar alguns passos
cerimoniais. Até mesmo os guardas do Palácio de Buckingham se movem mais do que
isso, fazendo pausas a cada 10 minutos.
Às vezes, os soldados daqui conseguem prosseguir com sua rotina
durante os confrontos, levantando seus tamancos pretos com pompons a cada meia
hora e oferecendo uma estranha cena de normalidade - logo atrás das rebeliões e
da fileira de policiais da tropa de choque, vestidos de preto e empunhando
cassetetes.
Membro da guarda presidencial grega de plantão no dia 18 de janeiro deste ano
Em
alguns dias, porém, o arremesso de pedras foi um pouco exagerado, e os soldados
- um em cada lado do túmulo, que homenageia soldados que tombaram em guerras
antigas - se afastaram. O tenente-coronel Petros Miliopoulos, oficial
encarregado do batalhão, vem guardando uma pilha de recortes de jornal, muitos
com fotografias na primeira página dos guardas cercados pelo caos.
Em outubro, manifestantes chegaram a atear fogo numa das
guaritas dos guardas ao lado do túmulo.
Mas alguns dos guardas, como o recruta George Matellas, de 24
anos, que já passou 135 horas parado em pé (os homens mantêm uma contagem
cuidadosa), dizem que os agitadores parecem sair de seu caminho para não os
incomodar - talvez valorizando a longa tradição do serviço militar grego que
eles representam. "Quando estamos marchando de volta aos alojamentos, eles
abrem caminho para nós", explicou Matellas. "A maioria da multidão
nos apoia, o que é uma boa sensação."
O gás lacrimogêneo é um dos grandes problemas. Os policiais de
choque usam máscaras de gás. Mas os guardas presidenciais usam uniformes com
túnicas e saiotes que remontam ao século XIX. Foi realizada uma pequena
concessão quanto a medicamentos modernos, o que geralmente não é o bastante
para protegê-los. "Nós lhes damos colírio", afirmou Miliopoulos.
"Isso ajuda um pouco."
Na Grécia, todos os homens jovens devem cumprir de nove a 12
meses de serviço militar, e os membros da Guarda Presidencial são escolhidos
entre os recrutas. A aparência é importante. Os soldados precisam ter pouco
mais de 1,80 metro de altura e estar em forma.
Segundo Miliopoulos, um recruta deve também possuir um forte
senso de patriotismo. É isso que sustenta os soldados num clima por vezes
brutal. No verão, o calor pode ultrapassar os 40 graus - e eles continuam
usando duas camadas de meias. No inverno, é comum a temperatura ficar abaixo de
zero - mas as luvas só aparecem quando se chega a 7 graus negativos.
Mesmo em condições perfeitas já é difícil ficar de pé, parado,
por uma hora, garantiu Miliopoulos. "Tente fazer isso", sugeriu ele.
"Ficar sem se mover por 10 minutos já é difícil."
Sapateiro especializado segura um exemplar do sapato usado pela Guarda Presidencial grega
Mesmo
assim, fazer parte da Guarda Presidencial é considerado uma honra - e traz
algumas vantagens. Para começar, o batalhão fica situado no meio de Atenas.
Para muitos jovens soldados, isso é muito mais agradável do que ser enviado
para alguma remota fronteira da Grécia com a Turquia, por exemplo.
Matellas contou que seu método para completar os turnos no
túmulo era fixar a atenção num ponto e se concentrar. Mas disse também que, às
vezes, os manifestantes eram uma distração bem-vinda. "Quando há algo
acontecendo", explicou, "o tempo passa mais rápido".
Os guardas possuem diversos uniformes para escolher, dependendo
do clima e da ocasião. A túnica de verão data da revolta contra o Império
Otomano, em 1821. O uniforme naval vem de um levante na Macedônia Grega no
início do século XX, quando a região ainda era ocupada pelos turcos.
Os soldados se vestem em duplas, ajustando cuidadosamente os
trajes um do outro - os dois saiotes de algodão, os casacos bordados, as ligas
de couro, a franja azul e branca acima das saias, os ornamentos na panturrilha
para o uniforme de gala.
Acertar em tudo é importante. Segundo Matellas, seu pior momento
até agora foi quando ele realizava um de seus chutes altos e o pompom de seu
tamanco saiu voando.
Membros da Guarda Presidencial em Atenas se preparam para assumir seus postos no Túmulo do Soldado Desconhecido
Na base
dos guardas, profissionais habilidosos produzem os uniformes, tentando fazer
cada item exatamente como ele era feito décadas atrás. "Aqui, as mudanças
são muito, muito raras", afirmou Miliopoulos. "Elas só ocorrem quando
há algum problema técnico que não conseguimos resolver."
As meias, por exemplo, eram produzidas num tipo de máquina que
já não existe mais. Mas seria preciso uma lente de aumento para notar a
diferença.
Cada uniforme de gala custa cerca de US$ 11.200. Os soldados não
ficam com eles.
Os guardas treinam por cinco semanas, praticando a postura fixa
com todo o peso dos uniformes e visitando locais históricos para reforçar o
sentimento de sua cultura. Algumas das sessões de prática duram três horas,
embora no túmulo os guardas trabalhem em turnos de uma hora.
"Depois de três horas", disse o recruta Papiotis
Evangelos, de 24 anos (e 120 horas parado em pé), "uma hora não é
nada".
Os soldados montam guarda no Túmulo do Soldado Desconhecido, em
frente ao Palácio Presidencial - e, aos domingos e feriados oficiais, hasteiam
a bandeira sobre a Acrópole.
Mas na maior parte do tempo, segundo os próprios soldados, eles
são apenas adereços para fotos de turistas.
"Entramos na internet e vemos fotos nossas o tempo
todo", disse o recruta Theofannis Faitas, de 26 anos e 135 horas em pé.
"Existem milhares de fotos nossas."
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