segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

NOVOS TEMPOS


Com economia em alta, cresce busca por cursos 'made in Brazil'


RIO e SÃO PAULO - Uma companhia que profissionaliza mão de obra para construção civil foi o projeto que a aluna Renata Daflon montou e tentou vender para o professor e empresário americano Bob Caspe. No último dia de aula na americana Babson College - considerada uma das escolas de negócios mais importantes dos Estados Unidos -, desenvolver e apresentar o projeto de uma empresa foi a atividade final da primeira turma de estudantes do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), no Rio, que foi cursar parte de um MBA em Babson, no segundo semestre de 2011. A relação entre as duas instituições é um exemplo do crescimento no número de cursos de pós-graduação em negócios no Brasil que tem parcerias com universidades estrangeiras - interessadas em conhecer mais o mercado nacional e que também têm mandado cada vez mais alunos para cá. Com o Brasil ultrapassando uma crise que deixou muitas nações europeias para trás e se tornando a sexta maior economia do mundo, era de se esperar que não demoraria muito para o país atrair atenções para seu ensino em negócios - ou o que as instituições estrangeiras já passaram a chamar de cursos "Doing business in Brazil".
No caso de Renata, de 32 anos e diretora de produção de uma gráfica no Rio, o MBA em gestão de negócios incluiu uma semana de aulas e atividades sobre empreendedorismo em Babson:
- Algo que percebi foi que eles já tinham muita informação sobre o mercado brasileiro. O próprio Bob Caspe, que lá é tido como uma espécie de guru em empreendedorismo, tem investimentos em empresas aqui; outro professor de lá também já tinha vindo ao Brasil fazer negócio. Está todo mundo olhando para cá.
Em 2011, dobro de alunos do exterior
Depois da turma de Renata, o Ibmec já prepara um segundo grupo de alunos para mandar para lá, no que é uma das mais de 30 parcerias que o instituto tem com instituições estrangeiras.
- Estávamos agora, por exemplo, numa reunião com a Universidade de Columbia (em Nova York), para montarmos um curso "Doing business in Brazil" com eles por meio do BricLab (centro de estudos sobre os Brics - Brasil, Índia, Rússia e China -, inaugurado em 2011 em Columbia) - contava há cerca de dez dias José Luiz Trinta, diretor de Negócios do Ibmec. - Espanha e França também têm se interessado em mandar alunos para cá. O crescimento brasileiro com a crise no exterior é o que tem estimulado esse interesse de instituições estrangeiras pelo comportamento do mercado e dos executivos brasileiros. Além disso, instituições de fora veem que, em vez de criar cursos novos para o mercado deles, em crise, é mais interessante formar parcerias num mercado como o brasileiro; montar, por exemplo, um double degree (no qual o aluno adquire diploma em duas instituições).
A vontade de empresas estrangeiras se expandirem no país é outra razão citada por Trinta:
- Para companhias como L'Oréal, Telefonica e Santander, é interessante que seus executivos sejam dos países de origem das empresas mas estudem sobre o Brasil aqui mesmo.
MBA executivo brasileiro com a melhor posição em ranking divulgado pelo "Financial Times", o OneMBA da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) da FGV-SP (no 26 lugar) permite que o aluno passe até um ano em outro país, diz Julia von Maltzan Pacheco, coordenadora de Relações Internacionais da FGV-Eaesp.
A escola tem hoje 94 parcerias internacionais, conta ela. E o número de alunos que vêm de fora quase dobrou em 2011:
- Além de EUA e Europa, há também instituições de América Latina, Índia, China e outros países asiáticos, por exemplo. Em 2010, recebemos cerca de 370 alunos de fora; em 2011, foram cerca de 680 - diz Julia. - Com a estabilização e o crescimento, o país passa a ser seguro para negócios. Com a classe média maior, vira um centro de interesse, o que foi mais reforçado ainda com a crise e a falta de oportunidades em outros países.
Aos 26 anos, o aluno Rafael Moura Robles, do MBA Executivo do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em São Paulo, destaca a infraestrutura que encontrou na Darden School of Business, da Universidade de Virgínia, onde participou do intercâmbio Global Business Experience no fim do ano passado. Numa semana de curso intensivo, Robles lembra uma discussão de caso sobre racismo.
- O assunto é espinhoso. Mas a conclusão a que chegamos me impressionou: nunca ter receio de debater qualquer tema, sempre respeitando a opinião do outro - diz, lembrando outra aula que o marcou, a simulação de uma negociação, na qual determinada meta deveria ser obtida: - Houve polêmica entre os colegas, e a conclusão do professor foi: "Tome sempre cuidado com o que você pede à sua equipe".
- Alunos de Darden também passaram a vir para cá, porque a escola incluiu recentemente o Brasil no seu Global Business Experience. Eles vêm ter aulas sobre mercados emergentes e questões culturais em negócios. Também recebemos estudantes de outras escolas, como as universidades de Toronto (Canadá) e Saint Gallen (Suíça) - completa o coordenador geral de MBAs do Insper, Silvio Laban.
Além de aulas, Laban destaca as visitas feitas a "empresas brasileiras como Natura e Embraer, não a filiais de multinacionais":
- É uma imersão acadêmica e cultural. Uma das primeiras aulas é "Diferenças culturais". Também falamos de diferenças como as de sistema tributário.
Assim como a Darden School, o Iese Business School, da Universidade de Navarra, na Espanha, outra que é referência no setor, também escolheu o Brasil. Desde 2011 passou a oferecer, ao lado de módulos já existentes em Nova York e Shangai, um módulo aqui, por meio do Instituto Superior da Empresa (Ise), em São Paulo, representante brasileiro do Iese.
- É um módulo sobre a cultura de negócios em cada um desses três países - diz José Paulo Carelli, diretor-executivo do Ise. - Mas não vemos alunos chegando com o pensamento "vamos conhecer uma realidade totalmente nova". Já chegam pensando em investir em empresas aqui ou realizar negócios.
Diretor do Instituto de Economia da Unicamp, Fernando Sarti lembra que, além da experiência insubstituível para a aprendizagem dos estudantes, o intercâmbio internacional traz um ganho a partir das relações criadas:
- Acabamos numa rede de contatos que tem desdobramentos como nossa participação no exterior, ou a de convidados ao Brasil, em seminários, cursos e outras atividades.
Participante do Cambridge Advanced Programme on Rethinking Development Economics, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, em 2003, Sarti diz ter passado, há oito anos, pela experiência do surgimento do interesse pelo Brasil no mundo acadêmico global:
- Naquela época, Cambridge queria discutir problemas do então terceiro mundo. Agora a dimensão é outra.


Nenhum comentário: