EX-DELEGADO DIZ QUE QUEIMOU
CORPOS DE MILITANTES EM USINA
Em livro de memórias, agente do Dops confessa crimes da ditadura
SÃO PAULO - O livro de memórias de um ex-agente da repressão aos opositores da ditadura militar traz novas revelações sobre o desaparecimento e a morte de militantes de esquerda nos anos 70 e 80 no Brasil. Em depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, publicado em primeira pessoa sob o título “Memórias de uma guerra suja”, o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Cláudio Antônio Guerra diz que pelo menos dez corpos de militantes executados teriam sido incinerados em uma usina de açúcar no norte do Estado do Rio em 1973. Afirma também que o delegado Sérgio Paranhos Fleury — símbolo da linha-dura do regime — teria sido assassinado por ordem dos próprios militares, assim como o jornalista Alexandre Von Baumgarten, dono da revista “O Cruzeiro”, como queima de arquivo.

"Isso me atormentou durante muito tempo porque eu sei que as
famílias devem ainda ter até hoje aquela esperança de saber o destino de seus
entes queridos. Se eu tive coragem de fazer, eu tenho que ter coragem de
assumir os meus erros", diz Guerra em vídeo publicado na tarde desta
quarta-feira no site de promoção do livro, editado pela Topbooks, que chegará
às livrarias no próximo fim de semana.
Em trecho do livro publicado nesta quarta-feira no site "IG",
o ex-delegado diz ter se aproveitado da amizade com o ex-deputado federal e
ex-vice-governador do Estado do Rio Heli Ribeiro Gomes, dono da Usina
Cambahyba, para usar o forno da unidade em Campos (RJ) e desaparecer com o
corpo de militantes. De acordo com o livro, teriam sido incinerados João
Batista, Joaquim Pires Cerveira, Ana Rosa Kucinski, Wilson Silva, David
Capistrano, João Massena Mello, José Roman, Luiz Ignácio Maranhão Filho,
Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho.
Guerra afirma ter levado dois superiores hierárquicos ao local para que
aprovassem o uso do forno da usina: o coronel da cavalaria do Exército Freddie
Perdigão Pereira, que trabalhava para o Serviço Nacional de Informações (SNI),
e o comandante da Marinha Antônio Vieira, que atuava no Centro de Informações
da Marinha (Cenimar). Ambos já morreram; o primeiro em 1996, e o segundo em
2006. O dono da usina, Heli Gomes, foi deputado pelo PTB, filiado à Arena e ao
PFL. Morreu em 1992, três anos antes de a usina fechar.
— Meu pai era simpático aos militares, mas naquela época ou você era de
um lado ou de outro. Ele não queria o comunismo dentro do Brasil, mas era
totalmente contrário a qualquer perseguição ou violência, era um democrata —
diz Cecília Gomes, filha de Heli, que considera as acusações de Guerra
“absurdas”.
No livro, o ex-delegado diz que a comunidade de inteligência decidiu
matar Fleury em reunião realizada em São Paulo.
”Fleury tinha se tornado um homem rico desviando dinheiro dos
empresários que pagavam para sustentar as ações clandestinas do regime militar.
Não obedecia mais a ninguém, agindo por conta própria. E exorbitava”, diz o
delegado em trecho publicado pelo "IG".
Oficialmente, Fleury morreu acidentalmente em Ilhabela, depois de tombar
da lancha. Segundo Guerra, ele teria sido dopado e levado uma pedrada na cabeça
antes de cair no mar.
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