domingo, 25 de março de 2012

OS BRASIGUAIOS DE SUCESSO


‘Somos demasiados paraguaios’, diz agricultor ‘brasiguaio’



Família de Ewald Loblein foi para o Paraguai no início do século XX.
Cidade de Obligado fica a 200 km da tradicional região de ‘brasiguaios’.


O agricultor paraguaio Ewald Loblein, de 46 anos, filho de gaúcho e proprietário de aproximadamente 600 hectares de terra no Sudeste do Paraguai, faz parte uma antiga e diferente geração de imigrantes brasileiros que deixaram o país em busca de oportunidades no território vizinho, os chamados “brasiguaios”.


O agricultor ainda planta a erva mate por tradição, pois foi a principal cultura no início do século XX (Foto: Gabriela Gasparin/G1)Ewald Loblein planta a erva mate por tradição, pois foi a principal cultura no início do século XX
Loblein vive na cidade de Obligado, perto da fronteira com a Argentina, cerca de 200 quilômetros ao sul de Alto Paraná, a região do Paraguai perto da fronteira com o Brasil onde vivem as mais novas famílias de “brasiguaios”, que começaram a ocupar a região no início da década de 1970.
Obligado, por sua vez, abriga terras de outros descendentes de brasileiros que chegaram no país vizinho quase 60 anos antes, no início do século XX, e que hoje estão ‘enraizados’ em solo paraguaio.


Plantação de erva mate com milho; mistura de culturas foi proposital para aproveitar solo. (Foto: Gabriela Gasparin/G1)Plantação de erva mate com milho; mistura de
culturas foi proposital para aproveitar solo

“Já somos demasiados paraguaios aqui, e também não falamos português, por isso não se fala de nós. Mas, se forem analisar, somos parte dos ‘brasiguaios’”, diz o agricultor paraguaio Ewald Loblein, de 46 anos, que é filho de gaúcho e proprietário de aproximadamente 600 hectares de terra.
Em 1917, os avós de Loblein, descendentes de alemães, partiram do Rio Grande do Sul rumo ao Sudeste do Paraguai em busca de terra fértil para trabalhar. O pai do agricultor tinha apenas dez anos e já cresceu no país, por isso, não foi mantido o português como idioma. “Não mantivemos os costumes do Brasil (...). Não nego, meu pai é nascido no Brasil e tudo, mas já se passaram muitos anos, somo muito paraguaios”, ressalta Loblein.
Obligado, contudo, não concentra agricultores majoritariamente brasileiros, como ocorre na região Noroeste do país, perto da fronteira com o Brasil. Pelo contrário, a cidade foi também destino de imigrantes alemães no início do século passado e, em menor escala, de japoneses, ucranianos, russos, argentinos, entre outros, explica o engenheiro agrônomo
Eduardo Dietze, gerente da área de produção e abastecimento da cooperativa Colonias Unidas, que tem cem anos, considerada a maior e mais antiga do Paraguai.
A mulher do agricultor, Renate Tiemann, de 46 anos, por exemplo, também tem descendência brasileira por parte de mãe, mas por parte de pai é de origem alemã.
O engenheiro Dietze, inclusive, é bisneto de gaúchos descendentes de alemães. “Eles compraram terra aqui. Terras que se comercializaram depois da guerra [Guerra do Paraguai] para recuperar recursos. Eles venderam grandes parcelas de terra e se formaram colônias privadas”.
De acordo com Dietze, a cooperativa foi formada em 1912 por esses pequenos agricultores estrangeiros. Atualmente, a Colonias Unidas tem 3,7 mil produtores associados.


Eduardo Dietze (direita), descendente de brasileiros, e o engenheiro Wilfrido Hompel, de família com origem alemã, da cooperativa centenária Colonias Unidas (Foto: Gabriela Gasparin/G1)Eduardo Dietze (direita), descendente de brasileiros, e o engenheiro Wilfrido Hompel, de família com origem alemã, da cooperativa centenária Colonias Unidas

No início, a erva mate era uma das principais culturas, mas com o passar dos anos a produção foi sendo ampliada. Atualmente, a cooperativa atua com diversas culturas de grãos e oleaginosas, como soja, girassol, trigo e canola, além da agropecuária.
Foram criadas indústrias processadoras de leite, com produtos como longa vida e leite fresco, e também para extração de óleo para fabricação de produtos como óleo de soja e azeite. A erva mate ainda tem participação e são comercializadas folhas industrializadas, prontas para o consumo.
Em suas terras, o agricultor Loblein, que trabalha com a cooperativa, afirma que ainda cultiva a erva mate, mas que o produto tem pequena participação se comparado a outras culturas. “A erva mate eu cultivo por trajetória do meu pai, por fanatismo, por tradição. As outras culturas agrícolas nós plantamos para ter rotação de cultivo”, diz. “Há anos fazemos este sistema [de rotação de cultura]. Trigo, por exemplo, eu nunca repito a área em outro ano. Onde este ano tem trigo, no ano eu vem não vai trigo. Vai, por exemplo, girassol ou uma aveia”.
Dos 600 hectares que possui, apenas três são destinados ao produto – o que ele diz, porém, que pretende aumentar, por conta da maior demanda e melhor preço. Entre as outras culturas, ele cultiva soja, granola, milho, sorgo, trigo, aveia, azevem e ainda deu início ao ramo de pecuária, com 360 cabeças.
Seca
Neste ano, a seca prejudicou a colheita da soja na região, que hoje é uma das mais importantes culturas para a cooperativa. Com o calor, a colheita deve ser bem menor que as 360 mil toneladas da safra anterior, para uma previsão de 125 mil, de acordo com Dietze. A perda é de 60% sobre o previsto.
Com isso, de acordo com o gerente da cooperativa, muitos agricultores precisarão fazer um refinanciamento das dívidas, o valor estimado para isso é de US$ 15 milhões – o faturamento em 2011 foi de US$ 500 milhões. Como um de seus serviços, aliás, a cooperativa também atua com serviços financeiros.
Os grãos representam 60% do faturamento. Do 3,7 mil cooperados, 2 mil cultivam soja em uma área de 130 mil hectares - da erva mate, por exemplo, são apenas 3.000 hectares, com cerca de 400 produtos.



Para Loblein, a rotação de culturas é uma forma de se proteger dos imprevistos do clima nos negócios. “O produtor hoje em dia tem que estar preparado para qualquer adversidade do clima (...). A saída é a produção diversificada”, opina.
Com três filhos, o agricultor espera que eles deem continuidade ao trabalho no campo. A mais velha, Tatiana, de 19 anos, inclusive faz faculdade de engenharia agrônoma. Ela pensa hoje em dar continuidade ao trabalho da família com a industrialização do que o pai cultiva.“Não penso em trabalhar no campo, mas em laboratório, transformar os produtos em algo industrial”.
Se no passado seus bisavós partiram do Brasil para plantar erva mate em solo uruguaio, ela não descarta pensar em atuar com a industrialização do produto. “Sim, aqui tem bastante erva mate, tem campo para trabalhar com isso”, diz.

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