sexta-feira, 17 de agosto de 2012

EM BENEFÍCIO DO HOMEM


Insetos geneticamente modificados podem ajudar agricultura brasileira


Saiba como uma ONG no semiárido da Bahia USA cria insetos geneticamente modificados para melhorar a agricultura brasileira e, em breve, combater a dengue


Editora Globo

Coloque areia no vaso das plantas, guarde as garrafas de cabeça para baixo e jogue fora a água acumulada nos pneus velhos. Você, que nem guarda pneu em casa, sabe que essas medidas são importantes para combater o Aedes aegypti, inseto transmissor do vírus da dengue. As dicas já são tão típicas do verão quanto suor e carnaval, mas as epidemias prosseguem. Em 2011, mais de 700 mil casos da doença foram notificados no Brasil. Será que não tem um jeito mais moderno de detonar essa praga? Ainda não, mas a ciência está tentando resolver esse problema, com mosquitos de DNA inglês e sotaque baiano. 

A experiência pioneira está sendo realizada pela Moscamed, fábrica de insetos transgênicos em Juazeiro, na Bahia, quase Pernambuco. Desde maio do ano passado, ela fabricou e libertou em 4 pequenas regiões mais de 10 milhões de Aedes. Soltos e solteiros, eles competem com os machos selvagens pelas fêmeas. Esses pais criados em laboratório transferem um gene fatal para a prole, que morre no estágio de larva (ver a ilustração). Com o tempo, a população do inseto diminui e pode até desaparecer. E, sem ele, adeus dengue. 

Esse método foi desenvolvido em parceria por cientistas brasileiros e ingleses — que criaram o mosquito transgênico. E até agora está dando certo. Em maio, a equipe da Moscamed constatou que a população do Aedes na área de experiência já é 75% menor do que nas áreas de controle. Analisando as larvas, os cientistas notaram que 89% delas são fluorescentes — outra mutação do inseto transgênico, criada para ser um teste de paternidade automático. “O resultado é bem promissor”, diz a bióloga da USP Margareth Capurro-Guimarães, uma das envolvidas no projeto. 

A mutação.

Editora Globo
Créditos: Luís Dourado
Editora Globo


A experiência do semiárido baiano começou em frias terras inglesas, na Universidade de Oxford. Foi lá que a equipe do geneticista Luke Alphey, em parceria com a empresa Oxitec, criou o animal transgênico. A ideia era adaptar a chamada “técnica do inseto estéril”, usada desde os anos 50 para o controle de moscas, para um mosquito — no caso, para o Aedes, vetor da dengue e da febre amarela. 

A turma de Oxford inseriu no mosquito 3 genes “alienígenas”. Dois deles trabalham juntos para fazer a prole do Aedes morrer na fase de larva (veja no info), e outro cria aquela fluorescência na larva. Com o bicho pronto, os cientistas precisavam saber se ele sobreviveria na natureza e se seria aceito pelas fêmeas selvagens. Para tirar essas dúvidas, era preciso testá-lo em regiões com dengue. Foi aí que entrou o Brasil — e o nome de Margareth. “Conhecia essa turma de Oxford há 12 anos, de congressos. Até que, em 2006, surgiu a ideia do projeto de campo”, diz a brasileira. Para realizar esses testes, porém, seriam necessários milhões de insetos por mês. Por aqui, só a Moscamed poderia lhes ajudar. 

A ONG da Bahia fora criada em 2003 por iniciativa de órgãos governamentais para proteger os pomares nacionais da mosca-da-fruta, também chamada de Ceratitis capitata — ou moscamed, para os íntimos. A estratégia seria replicar a técnica do inseto estéril no Vale do São Francisco, uma das principais regiões fruticultoras do país. O procedimento é um pouco diferente do empregado com o mosquito: nesse caso, moscas macho são esterilizadas com um bombardeio radioativo que impede o desenvolvimento correto de seu aparelho reprodutor. Eles competem com os selvagens pelas moscas fêmeas e copulam normalmente, mas esse encontro só produz ovos vazios. 


Pró-exportação, antiagrotóxico 

Os EUA foram o primeiro país a varrer essa praga voadora, em 1996, depois de quase duas décadas de trabalho. Chile, Patagônia argentina e Japão são outros exemplos de áreas que se livraram da mosca. Cada país que se livra dela piora a vida dos exportadores brasileiros, porque eles impõem restrições à importação de regiões contaminadas, para evitar o retorno da praga. Com a redução da quantidade de moscas gerada pelo projeto, a região do Vale do São Francisco viabilizou a exportação, só em 2010, de 160 mil toneladas de mangas e uvas, no valor de mais de US$ 240 milhões. 

De quebra, o processo beneficia o ambiente ao reduzir o uso de inseticidas. “Alguns defensivos se acumulam no organismo, causam intoxicações e até câncer”, diz Rodrigo Viana, coordenador da produção de moscas. Essa vantagem ambiental, porém, lembra outra questão: liberar milhões de animais transgênicos na natureza não causa danos? 

Não, segundo Aldo Malavasi, geneticista aposentado da USP e presidente da Moscamed. “O interessante desse sistema é que o gene liberado na natureza se extingue na geração seguinte. Ele segue para uma descendência que é eliminada na semana seguinte.” 

Ainda é cedo, no entanto, para decretar o fim das epidemias de dengue. “Ainda não se pode concluir que existe impacto sobre a transmissão da doença”, diz Margareth. Para isso, é preciso testar a técnica em mais de uma cidade e por alguns anos. Como a própria epidemia alterna temporadas mais ou menos fortes, só estudos de longo prazo podem confirmar se eventuais reduções no número de dengosos seriam causadas pela técnica, e não por outros fatores. 

“O próximo passo é partir para uma cidade de cerca de 50 mil habitantes.” As próximas vítimas serão os insetos de Jacobina, no noroeste da Bahia. Para enfrentá-los, a Moscamed recebeu do governo estadual R$ 1,1 milhão. O investimento permitiu aumentar a produção de 2 para 18 milhões de Aedes machos por mês. Vai ser um enxame e tanto. Mas quem sabe no futuro você não precise mais jogar fora a água dos pneus que nem guarda. 

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