Raro vinho do gelo está sendo produzido em terras
brasileiras
O frio também é um aliado
precioso para a conservação e a boa evolução do vinho. Ele fica em ambientes de
pouca luz e temperatura média de 14°C.
Ela é
parte da paisagem desde o tempo dos dinossauros. Difícil imaginar os campos e
os vales das regiões mais frias do país sem a imponente araucária.
No século passado, a exploração sem limites da madeira da
araucária quase levou a espécie à extinção. Agora, ela é protegida por lei e
também pelos agricultores que encontraram na semente dele uma boa fonte de
renda.
É o caso de Edu Vieira de Melo, seu Duca, que vive em um sítio
na serra catarinense. Todo ano, quando chega o frio, ele vira alpinista de
araucárias.
Definitivamente, não é trabalho para amador. Num piscar de olhos
Duca está lá, a dez metros de altura.
“Eu fiquei arrepiado só de ver o senhor de pé descalço subindo
na árvore”, disse o repórter Ricardo Von Dorff.
“É frio. Mas vai do costume da gente, do trabalho aqui que a
gente faz. A gente não sente mais frio no pé“, respondeu seu Duca.
É hora do jogo. As pinhas são como bolas de bilhar e seu Duca é
mestre na arte de derrubá-las.
“A gente pega a vara e cutuca a sinuca, cai a bola”, brinca seu
Duca.
Depois da colheita é hora de espantar o frio e se deliciar.
Pinhões assados na fogueira. É a sapecada, receita campeira, típica do sul
nesta época de frio. Dá trabalho para descascar.
Se a araucária é nativa, a macieira foi trazida de outras
terras, distantes e frias.
Você talvez nem se lembre, mas até a década de 1970, as únicas
maçãs que chegavam a sua mesa vinham da Argentina. Neste período de 40 anos, o
Brasil passou de importador para exportador, desde que alguns pioneiros
apostaram que o frio do Sul poderia render bons frutos.
Foi com esse sonho que Fumio Hiragami, fruticultor, veio parar
na gelada São Joaquim, junto com outras famílias de imigrantes japoneses.
“Este clima Deus que fez assim. Não é qualquer lugar que tem.
Santa Catarina também. É único aqui na região serrana que faz frio então nós
temos que aproveitar este potencialidade do clima”, disse seu Hiragami.
Tamanho, cor, doçura. Tudo o que faz uma maçã atraente aos olhos
e ao paladar depende do frio.
Em parceria com frio, seu Hiragami é hoje o maior produtor de
maçãs do país. Um gosto doce para o menino que precisou deixar o Japão para
fugir da miséria.
Se o frio ajuda a produzir as melhores maçãs do Brasil, os
pesquisadores começaram a se perguntar se as baixas temperaturas também seriam
boas para o cultivo de outro tipo de fruta. Os experimentos começaram há cerca
de 20 anos e hoje vinhedos como este são cada vez mais comuns na paisagem da
Serra Catarinense.
Tão comuns que já viraram poleiros de curucacas, aves típicas da
região, que preguiçosamente, se aquecem no sol da manhã.
O trabalho duro é do homem. Pensa que é fácil produzir vinho no
solo mais gelado do país, onde as temperaturas do inverno vão até o fim da
primavera?
“Pra produzir o pinot noir, em virtude do frio aqui da serra
aqui da região de altitude catarinense nós temos que colocar carvão, acender um
montinho de carvão a cada 4 metros. Como se fosse fazer um churrasco campeiro,
então esquenta o ar nesta baixada. Cria um microclima . A geada não atinge as
inflorescências e as brotações, e a gente consegue produzir o vinho”, explicou
Jefferson Sancineto Nunes, enólogo.
Mas o clima que castiga também ajuda a produzir uvas com
características especiais. Graças às baixas temperaturas, um tipo de fungo, que
poderia ser uma praga, lá é uma bênção.
Você já ouviu falar em vinho do gelo? Pois até hoje ele só foi
produzido no Brasil em um vinhedo de 18 hectares na região do Vale do Pericó,
em São Joaquim. O Jefferson é enólogo e vai nos explicar porque é tão difícil
produzir o vinho do gelo.
“Porque nós dependemos 100% do clima, das condições climáticas.
Nós temos que ter uvas sadias no final do outono, no final junho e as
temperaturas precisam chegar abaixo, no mínimo a menos -6°C pra que as uvas
congelem no vinhedo e nós ainda por cima temos que colher apenas durante a
madrugada, antes que o sol nasça”, detalhou Jefferson.
Em quatro anos, a natureza só permitiu a produção de 3333
garrafinhas de vinho do gelo.
O frio também é um aliado precioso para a conservação e a boa
evolução do vinho. Ele fica em ambientes de pouca luz e temperatura média de
14°C. Aliás a temperatura não deve variar muito na hora que a gente estoca o
vinho. Em algum outro lugar do Brasil é possível conservar o vinho em
temperaturas tão baixas?
“Temperaturas baixas normalmente conseguidas não. Vinhos que se
conheciam no Brasil e que duravam um ou dois anos, agora com essas
características, com esta inovação de região, eles podem até durar quatro ou
cinco anos”, explicou o enólogo Orgalindo Bettú.
Além disso, as baixas temperaturas dão aos chamados vinhos de
altitude características únicas, como aromas e cores mais intensos. É com frio,
ciência e paciência que os vinhos de altitude do Brasil querem ganhar o mundo.
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