sábado, 28 de julho de 2012

FLORES SUSTENTAM PESSOAS


Cultivo de flores muda a vida de quem tira da terra seu sustento



As flores exigem um sistema de produção organizado, eficiente, para despachar o produto com rapidez e o mínimo de danos à carga tão sensível.


Há 150 milhões de anos, aconteceu um fenômeno incrível, uma explosão de beleza na Terra: uma espécie de planta atingiu, pela primeira vez no planeta, um novo estágio de evolução e, desabrochou.
Desde então, as flores não param de se multiplicar. Nelas, a natureza espalha seus caprichos e suas cores, em combinações infinitas e perfeitas. E exibe um incrível poder de sedução para a sobrevivência das espécies. Assim, as flores se desenvolveram atraindo os insetos e os pássaros. Até a união sublime com o beija-flor.
Muitos séculos depois, no Brasil, as flores se tornaram um grande negócio, que cresce cada vez mais e transforma vidas. Nos campos e estufas, agricultores prosperam cultivando beleza. E tiram das flores a força pra sustentar famílias e superar dificuldades. Até mesmo no Ceará, conhecido pela aridez da paisagem.
A viagem é longa, exatamente cinco horas de carro, para quem sai de Fortaleza.
Uma serra, onde chove mais do que no resto do Ceará, e as temperaturas também são menores. É a bonita Serra da Ibiapaba, uma formação rochosa que atinge quase mil metros de altitude.
Nas cidades da serra, como São Benedito, a vida simples do interior nordestino. A igreja na pracinha e a imagem do padroeiro, que recebe as preces dos devotos. Justamente lá, as rosas encontraram o ambiente ideal. As plantações na Serra da Ibiapaba ocupam uma área de quase cem campos de futebol. Elas chegaram há cerca de dez anos e provocaram mudanças.
Na região, as famílias sempre viveram da agricultura, plantando milho tomate mandioca feijão, trabalho duro e incerto, sem os benefícios e as garantias da carteira assinada. Mas quando as rosas chegaram a essa parte do Ceará trouxeram prosperidade. Despertaram nas pessoas a vontade de fazer planos e sonhar.
“Um grande sonho, uma emoção muito grande pra mim foi minha bicicleta que eu conquistei”, disse a supervisora de estufa Leidiane Azevedo.
Leidiane não tem mais a bicicleta, que comprou há nove anos, quando começou a trabalhar no cultivo de rosas. Ela agora anda de moto. É supervisora de estufa e coordena uma equipe de dez pessoas.
Na maior empresa de cultivo de flores de São Benedito, 80 mil rosas são colhidas por dia. Ao todo, 40% da produção vão direto para a venda em supermercados de sete capitais do país. As mulheres são maioria entre os funcionários, que vem de famílias humildes, nesta região ainda de muita pobreza.
O sustento da maioria das pessoas depende de pequenas roças. A equipe do Globo Repórter conheceu a família de Leidiane, que sempre viveu do que plantou.
“Você vendendo um dia de banana, um saquinho de batata, uma caixa de laranja e aquilo ali a pessoa vai vivendo”, afirmou o pai da Leidiane, José de Souza.
“Mas não conseguia ter planos, progredir?”, perguntou a repórter.
“Tinha não”, respondeu.
A pequena plantação da família é um exemplo das dificuldades enfrentadas pelos agricultores da região. Era em uma roça que Leidiane trabalhava, ajudando os pais.
“A gente não teve uma boa colheita, o milho não colheu de jeito nenhum, o feijão ainda deu pra colher um pouquinho, mas não foi tão bom, a mandioca que está se saindo um pouquinho melhor, mas também não está aquela coisa que você esperava. Já as rosas dão o ano todo, a gente colhe rosas duas vezes por dia”, ressaltou Leidiane.
Com economia e muito esforço, Leidiane conseguiu dar o que mais queria para os filhos Maicon e Maiara.
“Essa é minha casa, meu grande sonho que eu consegui realizar, construí ela agora em 2011 e futuramente quem sabe eu não posso comprar um carro?”, disse Leidiane.
Leidiane nunca saiu de São Benedito. Apesar de viver em um estado famoso por suas praias, aos 29 anos de idade ela nunca viu o mar.
“Vêm outras oportunidades e com certeza eu vou conhecer esse mar, eu vou tomar banho na praia, vou ver o mar de pertinho”, falou Leidiane.
Colhendo flores e sonhos realizados, Leidiane imagina o destino das rosas.
“Você chega de manhã, 7 horas da manhã. Você chega, já olha pra rosa já vê a rosa ali linda olhando pra você, esperando que você vá lá, colher. Quando você colhe, você sabe que ela vai passar pra outras pessoas e vai fazer a felicidade, vai ornamentar casamentos, festas, presentear. Então é ótimo, é maravilhoso trabalhar com rosas”, afirmou Leidiane.
Ao contrário do que aconteceu no Ceará, as flores e a prosperidade chegaram há muito tempo em uma cidade com jeito holandês. Holambra, no interior de São Paulo, ainda guarda as características dos colonizadores holandeses, o moinho, o estilo das casas, os hábitos dos imigrantes, que foram tentar a sorte lá, quando a Segunda Guerra Mundial arrasava a Europa.
Eles fundaram a cidade, que, até no nome, é uma mistura de Holanda, América e Brasil.
Os imigrantes primeiro plantaram legumes, criaram gado, mas essas tentativas não deram certo. Nos anos 60 com as novas tecnologias o plantio de flores levou para a colônia a tão esperada prosperidade. Mas a ligação com a Holanda continua. É de lá que vem muitas das chamadas matrizes de elite, mudinhas livres de vírus e de bactérias que deram origem a uma grande quantidade de begônias.
As novas espécies de lírios, hibiscos, antúrios e gérberas também chegaram da Holanda. São resultados de cruzamentos, criados em laboratórios. Lançamentos deste ano no leilão de Holambra, onde os negócios fechados geram renda para cerca de dez mil famílias da região.
Ivonete, funcionária de uma grande produtora de flores, há 13 anos sustenta dois filhos colhendo crisântemos. Antes, cortava cana. Sendo entrevistada respondeu algumas perguntas feitas:
“O que é melhor?”, perguntou a repórter.
“Ah, é mexer com flores”, respondeu Ivonete Garcia, agricultora.
“O que é diferente no trabalho? Não tem aquele facão perigoso?”, questionou a repórter.
“Você corre o risco de se machucar e eu não dava nem rendimento, na verdade. E eu adoro flores”, respondeu Ivonete.
A terra boa de Holambra atraiu agricultores do interior paulista, como Adilson, que veio da cidade de Aguaí, e também de outros estados, como a mulher dele, Edna, que nasceu em Tapejara, no Paraná. Eles cresceram plantando milho, algodão e café. Quando Adilson foi pra Holambra, trabalhou como encarregado num sítio e conheceu o cultivo de flores. Depois, conseguiu comprar seu pedaço de terra e montar uma estufa. Hoje é presidente de uma cooperativa de pequenos produtores.
“A gente conseguiu em 12 associados adquirir uma área de dois hectares cada um que a gente começou”, afirmou Adilson Machado, floricultor.
“Foi muita luta, muito trabalho, até levando as crianças pequenas pra ta ali junto da gente o tempo todo, dai a gente veio trabalhando devagarzinho e veio crescendo”, disse Edna Machado, esteticista.
“Daí a gente comprou uma casa, a gente tinha sonho de ter um computador, que apesar de simples, pra nossa realidade, estava distante, e se tornou realidade”, completou Adilson.
Com a renda gerada pelas flores Edna fez um curso de estética e hoje é sócia de um salão, com duas amigas.
“A gente tem uma clientela boa, fiel, então a gente vai tocando, trabalhando”, contou Edna.
Uma estradinha de terra liga a plantação de flores à casa de Adílson e Edna. As filhas dos lavradores de origem humilde querem chegar à faculdade, um ideal impossível na época de juventude dos pais. Mas agora, a família pode até fazer turismo.
“A gente tinha um sonho de conhecer outras cidades, por exemplo, o Rio de Janeiro, que a gente ouve falar de Copacabana, que a gente vê pela televisão muito bonito. A gente até está fazendo um pacote de viagem pra estar realizando, tudo isso aconteceu através do nosso plantio de flor”, explicou Edna.
Bem longe da sonhada Copacabana, quando cai a noite, os campos floridos do interior paulista mostram outras belezas. Os crisântemos recebem luz, pra que a haste cresça mais, antes do surgimento do botão.
As flores exigem um sistema de produção organizado, eficiente, para despachar o produto com rapidez e o mínimo de danos à carga tão sensível. As delicadas gérberas, depois de colhidas e colocadas em caixas, precisam ficar em tanques com água para manter o viço na viagem até o consumidor final.
Cada mudinha de antúrio leva quase um ano para florescer e ficar pronta para venda. Durante todo esse tempo a planta precisa de um ambiente com as mesmas condições do lugar onde costuma crescer na natureza. A floresta é substituída por muita tecnologia. Um painel tem indicadores que controlam a temperatura, a luz e a umidade nas estufas. E quando alguma dessas condições fica fora do padrão estabelecido, aqui dentro este aparelho faz uma ligação para o telefone do agrônomo responsável.
“E aí você tem que vir correndo pra cá?”, perguntou a repórter.
“Nem sempre. Dependendo do problema eu consigo resolver na minha casa, no meu computador. Tenho que ficar 24 horas por dia, já aconteceu de eu ter que levantar de madrugada pra resolver algum problema”, respondeu .
“A gente ganha uma flor e não imagina o trabalho que ela dá”, completou a repórter.
Quase a metade das flores e plantas ornamentais produzidas no país é negociada em um leilão, em Holambra, no interior de São Paulo. Em cerca de quatro horas, um milhão de plantas vendidas.
Os preços estipulados servem de referência para vários países da América do Sul. Ao contrário do que acontece nos outros leilões, este começa no valor maior, determinado pelo leiloeiro, e o preço vai caindo.
O comprador que espera pode levar mais barato ou ficar sem as flores que desejava, arrematadas antes pelo concorrente sentado em algum dos 300 lugares da tribuna.
Há cerca de três anos a cooperativa parou de vender para outros países, um reflexo da crise econômica na Europa e nos Estados Unidos, e também da valorização do real. Mas em compensação os brasileiros passaram a consumir mais flores. As vendas por lá crescem em mádia 12% a cada ano.
A previsão agora para 2012 é de que sejam comercializados R$ 310 milhões em flores e plantas ornamentais. Pra gente ter uma ideia, isto significa a movimentação de 4,5 milhões de carrinhos de flores em um pátio. Por isso um enorme espaço está ficando pequeno pra este negocio. Para o ano que vem já estão previstas obras que vão ampliar em 40% a estrutura da cooperativa.

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