Cultivo de flores muda a vida de
quem tira da terra seu sustento
As flores exigem um
sistema de produção organizado, eficiente, para despachar o produto com rapidez
e o mínimo de danos à carga tão sensível.
Há 150 milhões de anos, aconteceu um fenômeno incrível,
uma explosão de beleza na Terra: uma espécie de planta atingiu, pela primeira
vez no planeta, um novo estágio de evolução e, desabrochou.
Desde então, as flores não param de se
multiplicar. Nelas, a natureza espalha seus caprichos e suas cores, em
combinações infinitas e perfeitas. E exibe um incrível poder de sedução para a
sobrevivência das espécies. Assim, as flores se desenvolveram atraindo os
insetos e os pássaros. Até a união sublime com o beija-flor.
Muitos séculos depois, no Brasil, as flores
se tornaram um grande negócio, que cresce cada vez mais e transforma vidas. Nos
campos e estufas, agricultores prosperam cultivando beleza. E tiram das flores
a força pra sustentar famílias e superar dificuldades. Até mesmo no Ceará,
conhecido pela aridez da paisagem.
A viagem é longa, exatamente cinco horas de
carro, para quem sai de Fortaleza.
Uma serra, onde chove mais do que no resto do Ceará, e as
temperaturas também são menores. É a bonita Serra da Ibiapaba, uma formação
rochosa que atinge quase mil metros de altitude.
Nas cidades da serra, como São Benedito, a vida simples do
interior nordestino. A igreja na pracinha e a imagem do padroeiro, que recebe
as preces dos devotos. Justamente lá, as rosas encontraram o ambiente ideal. As
plantações na Serra da Ibiapaba ocupam uma área de quase cem campos de futebol.
Elas chegaram há cerca de dez anos e provocaram mudanças.
Na região, as famílias sempre viveram da
agricultura, plantando milho tomate mandioca feijão, trabalho duro e incerto,
sem os benefícios e as garantias da carteira assinada. Mas quando as rosas
chegaram a essa parte do Ceará trouxeram prosperidade. Despertaram nas pessoas
a vontade de fazer planos e sonhar.
“Um grande sonho, uma emoção muito grande pra
mim foi minha bicicleta que eu conquistei”, disse a supervisora de estufa
Leidiane Azevedo.
Leidiane não tem mais a bicicleta, que
comprou há nove anos, quando começou a trabalhar no cultivo de rosas. Ela agora
anda de moto. É supervisora de estufa e coordena uma equipe de dez pessoas.
Na maior empresa de cultivo de flores de São
Benedito, 80 mil rosas são colhidas por dia. Ao todo, 40% da produção vão
direto para a venda em supermercados de sete capitais do país. As mulheres são
maioria entre os funcionários, que vem de famílias humildes, nesta região ainda
de muita pobreza.
O sustento da maioria das pessoas depende de
pequenas roças. A equipe do Globo Repórter conheceu a família de Leidiane, que
sempre viveu do que plantou.
“Você vendendo um dia de banana, um saquinho
de batata, uma caixa de laranja e aquilo ali a pessoa vai vivendo”, afirmou o
pai da Leidiane, José de Souza.
“Mas não conseguia ter planos, progredir?”,
perguntou a repórter.
“Tinha não”, respondeu.
A pequena plantação da família é um exemplo
das dificuldades enfrentadas pelos agricultores da região. Era em uma roça que
Leidiane trabalhava, ajudando os pais.
“A gente não teve uma boa colheita, o milho
não colheu de jeito nenhum, o feijão ainda deu pra colher um pouquinho, mas não
foi tão bom, a mandioca que está se saindo um pouquinho melhor, mas também não
está aquela coisa que você esperava. Já as rosas dão o ano todo, a gente colhe
rosas duas vezes por dia”, ressaltou Leidiane.
Com economia e muito esforço, Leidiane
conseguiu dar o que mais queria para os filhos Maicon e Maiara.
“Essa é minha casa, meu grande sonho que eu
consegui realizar, construí ela agora em 2011 e futuramente quem sabe eu não
posso comprar um carro?”, disse Leidiane.
Leidiane nunca saiu de São Benedito. Apesar
de viver em um estado famoso por suas praias, aos 29 anos de idade ela nunca
viu o mar.
“Vêm outras oportunidades e com certeza eu
vou conhecer esse mar, eu vou tomar banho na praia, vou ver o mar de pertinho”,
falou Leidiane.
Colhendo flores e sonhos realizados, Leidiane
imagina o destino das rosas.
“Você chega de manhã, 7 horas da manhã. Você
chega, já olha pra rosa já vê a rosa ali linda olhando pra você, esperando que
você vá lá, colher. Quando você colhe, você sabe que ela vai passar pra outras
pessoas e vai fazer a felicidade, vai ornamentar casamentos, festas,
presentear. Então é ótimo, é maravilhoso trabalhar com rosas”, afirmou Leidiane.
Ao contrário do que aconteceu no Ceará, as
flores e a prosperidade chegaram há muito tempo em uma cidade com jeito
holandês. Holambra, no interior
de São Paulo, ainda guarda as características dos colonizadores holandeses, o
moinho, o estilo das casas, os hábitos dos imigrantes, que foram tentar a sorte
lá, quando a Segunda Guerra Mundial arrasava a Europa.
Eles fundaram a cidade, que, até no nome, é
uma mistura de Holanda, América e Brasil.
Os imigrantes primeiro plantaram legumes,
criaram gado, mas essas tentativas não deram certo. Nos anos 60 com as novas
tecnologias o plantio de flores levou para a colônia a tão esperada
prosperidade. Mas a ligação com a Holanda continua. É de lá que vem muitas das
chamadas matrizes de elite, mudinhas livres de vírus e de bactérias que deram
origem a uma grande quantidade de begônias.
As novas espécies de lírios, hibiscos,
antúrios e gérberas também chegaram da Holanda. São resultados de cruzamentos,
criados em laboratórios. Lançamentos deste ano no leilão de Holambra, onde os
negócios fechados geram renda para cerca de dez mil famílias da região.
Ivonete, funcionária de uma grande produtora
de flores, há 13 anos sustenta dois filhos colhendo crisântemos. Antes, cortava
cana. Sendo entrevistada respondeu algumas perguntas feitas:
“O que é melhor?”, perguntou a repórter.
“Ah, é mexer com flores”, respondeu Ivonete
Garcia, agricultora.
“O que é diferente no trabalho? Não tem
aquele facão perigoso?”, questionou a repórter.
“Você corre o risco de se machucar e eu não
dava nem rendimento, na verdade. E eu adoro flores”, respondeu Ivonete.
A terra boa de Holambra atraiu agricultores
do interior paulista, como Adilson, que veio da cidade de Aguaí, e também de
outros estados, como a mulher dele, Edna, que nasceu em Tapejara, no Paraná.
Eles cresceram plantando milho, algodão e café. Quando Adilson foi pra
Holambra, trabalhou como encarregado num sítio e conheceu o cultivo de flores.
Depois, conseguiu comprar seu pedaço de terra e montar uma estufa. Hoje é
presidente de uma cooperativa de pequenos produtores.
“A gente conseguiu em 12 associados adquirir
uma área de dois hectares cada um que a gente começou”, afirmou Adilson
Machado, floricultor.
“Foi muita luta, muito trabalho, até levando
as crianças pequenas pra ta ali junto da gente o tempo todo, dai a gente veio
trabalhando devagarzinho e veio crescendo”, disse Edna Machado, esteticista.
“Daí a gente comprou uma casa, a gente tinha
sonho de ter um computador, que apesar de simples, pra nossa realidade, estava
distante, e se tornou realidade”, completou Adilson.
Com a renda gerada pelas flores Edna fez um
curso de estética e hoje é sócia de um salão, com duas amigas.
“A gente tem uma clientela boa, fiel, então a
gente vai tocando, trabalhando”, contou Edna.
Uma estradinha de terra liga a plantação de
flores à casa de Adílson e Edna. As filhas dos lavradores de origem humilde
querem chegar à faculdade, um ideal impossível na época de juventude dos pais.
Mas agora, a família pode até fazer turismo.
“A gente tinha um sonho de conhecer outras
cidades, por exemplo, o Rio de Janeiro, que a gente ouve falar de Copacabana,
que a gente vê pela televisão muito bonito. A gente até está fazendo um pacote
de viagem pra estar realizando, tudo isso aconteceu através do nosso plantio de
flor”, explicou Edna.
Bem longe da sonhada Copacabana, quando cai a
noite, os campos floridos do interior paulista mostram outras belezas. Os
crisântemos recebem luz, pra que a haste cresça mais, antes do surgimento do
botão.
As flores exigem um sistema de produção
organizado, eficiente, para despachar o produto com rapidez e o mínimo de danos
à carga tão sensível. As delicadas gérberas, depois de colhidas e colocadas em
caixas, precisam ficar em tanques com água para manter o viço na viagem até o
consumidor final.
Cada mudinha de antúrio leva quase um ano
para florescer e ficar pronta para venda. Durante todo esse tempo a planta
precisa de um ambiente com as mesmas condições do lugar onde costuma crescer na
natureza. A floresta é substituída por muita tecnologia. Um painel tem
indicadores que controlam a temperatura, a luz e a umidade nas estufas. E
quando alguma dessas condições fica fora do padrão estabelecido, aqui dentro
este aparelho faz uma ligação para o telefone do agrônomo responsável.
“E aí você tem que vir correndo pra cá?”,
perguntou a repórter.
“Nem sempre. Dependendo do problema eu
consigo resolver na minha casa, no meu computador. Tenho que ficar 24 horas por
dia, já aconteceu de eu ter que levantar de madrugada pra resolver algum
problema”, respondeu .
“A gente ganha uma flor e não imagina o
trabalho que ela dá”, completou a repórter.
Quase a metade das flores e plantas ornamentais
produzidas no país é negociada em um leilão, em Holambra, no interior de São
Paulo. Em cerca de quatro horas, um milhão de plantas vendidas.
Os preços estipulados servem de referência
para vários países da América do Sul. Ao contrário do que acontece nos outros
leilões, este começa no valor maior, determinado pelo leiloeiro, e o preço vai
caindo.
O comprador que espera pode levar mais barato
ou ficar sem as flores que desejava, arrematadas antes pelo concorrente sentado
em algum dos 300 lugares da tribuna.
Há cerca de três anos a cooperativa parou de
vender para outros países, um reflexo da crise econômica na Europa e nos
Estados Unidos, e também da valorização do real. Mas em compensação os
brasileiros passaram a consumir mais flores. As vendas por lá crescem em mádia
12% a cada ano.
A previsão agora para 2012 é de que sejam
comercializados R$ 310 milhões em flores e plantas ornamentais. Pra gente ter
uma ideia, isto significa a movimentação de 4,5 milhões de carrinhos de flores
em um pátio. Por isso um enorme espaço está ficando pequeno pra este negocio.
Para o ano que vem já estão previstas obras que vão ampliar em 40% a estrutura
da cooperativa.
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