sábado, 28 de julho de 2012

NATUREZA


Beija-flor visita cerca de duas mil flores por dia



As asas de um beija-flor batem até 80 vezes por segundo. Quando está parado, são 400 batidas cardíacas por minuto. Nos voos, o coração acelera ainda mais e chega a 1,2 mil batimentos por minuto.


Uma cidade na serra, cercada de verde, que se orgulha de suas origens italianas. O trabalho de pequenos e incansáveis jardineiros, que passam a vida inteira multiplicando flores. Eles são o símbolo de Santa Teresa, no Espírito Santo.
Os beija-flores podem ser observados em diversos pontos da cidade. De todas as cores. Em voos que mais parecem um bailado. As coreografias exigem fôlego e muito néctar.
Um pássaro visita duas mil flores por dia e delas extrai uma quantidade de néctar maior que o seu próprio peso. Ele precisa produzir glicose rapidamente para uma demanda enorme de energia. As asas batem até 80 vezes por segundo. Quando está parado, são 400 batidas cardíacas por minuto. Nos voos, o coração acelera ainda mais e chega a 1,2 mil batimentos por minuto.
Os beija-flores encantaram o mais famoso filho de Santa Teresa, o cientista e naturalista Augusto Ruschi, patrono da Ecologia do Brasil. Em plena ditadura militar, quando muitos achavam que destruir a floresta era sinônimo de desenvolvimento, Ruschi denunciava essa prática.
“Não precisa deixar o Brasil todo em floresta virgem, nós somos contra isso também, mas também não se pode destruir da maneira como se está fazendo que isso é uma catástrofe. Não tem cabimento hoje no mundo o que se está fazendo no Brasil com a natureza”, disse Augusto Ruschi em 1984.
Augusto Ruschi, uma autoridade mundial no estudo dos beija-flores e das orquídeas, teve seu terceiro filho aos 69 anos, um ano antes de morrer. E falava da criança com entusiasmo de pai e naturalista.
“É mais um descendente que eu deixo pra defender o restinho da natureza”, disse.
O filho caçula é o biólogo Piero Ruschi, que cresceu brincando no quintal da casa de seus pais. Hoje, é um parque, a Reserva Biológica do Museu Mello Leitão, considerada o paraíso dos beija-flores, ou colibris, onde vivem 33 espécies.
Assim como o pai, Augusto, Piero pesquisa a relação íntima entre esses pássaros e algumas flores. Para ficar suspenso no ar, na frente de uma flor, os colibris aprenderam a fazer o voo de libração, de equilíbrio perfeito.
“Mas, além disso, tem os mecanismos de como utilizar esse néctar, porque ele precisa adquirir esse néctar rapidamente durante o voo, então tem o mecanismo da língua dos beija-flores que é bem adaptado, a língua dele é bem comprida e membranosa. Ela se dobra em duas calhas de fora pra dentro e quando o beija-flor coloca a língua no néctar, esse néctar entra nessas calhas por capilaridade e ele leva a língua pro bico de novo”, explicou Piero Ruschi, biólogo.
Bico e flor. Um encaixe perfeito que foi acontecendo lentamente, ao longo de milhões de anos. O resultado de um processo de evolução de forma conjunta e complementar.
“O beija-flor também foi se tornando mais especializado nessa flor, o bico dele foi ficando mais comprido, mais longo, e esse encaixe foi ficando cada vez mais perfeito. Ou seja, até chegar um momento em que aquela determinada flor só poderia ser polinizada por aquele beija-flor”, disse Piero Ruschi.
Hoje, oito mil espécies, como algumas da família das helicônias, são polinizadas somente por beija-flores.
Em uma chácara, em Mogi das Cruzes, São Paulo, outro bicho contribui para a sobrevivência das flores. Flores raras e tão delicadas que a beleza delas precisa ser contemplada com a ajuda de uma lupa. Bem-vindos ao paraíso da micro-orquídea.
Há 40 anos, seu Masuji, filho de japoneses, cuida de um bosque onde mantém mais de dez mil micro-orquídeas.
“Essa é a menor orquídea do mundo, é exclusiva da Serra do Mar”, disse seu Masuji Kayasima, orquidófilo.
“E é comprovadamente a menor orquídea do mundo?”, perguntou a repórter.
“A menor do mundo, não existe orquídea menor que essa. Tanto é que a flor é do tamanho da cabeça de um alfinete. É um bege esverdeado”, respondeu.
Seu Masuji costuma dizer, brincando, que tem alguns funcionários para ajudá-lo no trabalho com as flores. São os esquilos caxinguelês. Ele descobriu que algumas sementes poderiam ser ótimas para criar as micro-orquídeas. E aproveita coquinhos que já serviram de refeição para os caxinguelês.
“Quando caxinguelê come, ele fica todo irregular, buraco é pequeno, tudo irregular, então precisa dar acabamento nela pra ficar mais ou menos bonitinho. Então eu pego a broca, faço acabamento, tem o furo lateral pra pendurar e tem a parte do dreno que é o fundo. Se não tiver o dreno ele empoça água demais e acaba apodrecendo a planta”, explicou seu Masuji.
É tudo tão pequeno que seu Masuji precisa trabalhar com uma pinça.
“Entre as inovações do seu Masuji, tem a micro-orquídea plantada na rolha de uma garrafa de vinho e também num osso. Osso do que, seu Masuji?”, questionou a repórter.
“Isso é uma costelinha de porco”, respondeu.
“E como é que faz com a gordura que fica, ela não faz mal pra micro-orquídea?”, questionou.
“Enquanto tiver a gordura no osso a orquídea não aceita, então a gente compra a costela no açougue, comemos, depois nos damos pro cachorro, aí o cachorro da uma boa limpeza. Só que mesmo assim ela mantém gordura. Aí eu coloco no formigueiro. Aí a formiga acaba de limpar pra mim. Aí que eu vou plantar a orquídea nela”, detalhou seu Masuji.
“Então alem dos caxinguelês, também são seus funcionários os cachorros e as formigas?”, perguntou.
“As formigas também ajudam muito. Tem orquídea dentro de ostra também, porque é nada mais do que um cálcio, então ela não acaba e a orquídea agradece recebendo o cálcio dela”, contou seu Masuji.
Desde os 16 anos de idade, seu Masuji é um estudioso das orquídeas. Já descobriu e registrou cinco novas espécies. Ele está reunindo todo o conhecimento acumulado, com a experiência de quase meio século, num livro, onde também mostra habilidade para as ilustrações botânicas.
No bosque que ele criou para as micro-orquídeas, enquanto a equipe do Globo Repórter conversava com se Masujo, os "funcionários" dele não paravam de trabalhar nem um minuto.
“Eu trato eles bem também. Olha que não é fácil, é banana, é coco. A gente dá varias coisas pra eles” completou seu Masuji.

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