Conhecimento científico proporciona autonomia a
agricultores familiares
Agrônomo auxilia pequenos
agricultores com assistência técnica e extensão.
Comunidade passou a se organizar e vende produtos em feiras do Recife.
Muitas
lavouras de cana-de-açúcar e algumas pequenas propriedades dominam a paisagem
de boa parte da zona rural do município de Lagoa de Itaenga, na Zona da Mata de Pernambuco, a 85 quilômetros do
Recife.
Nesse contexto, entre a monocultura da cana e a agricultura
familiar, o agrônomo Guilherme Soares, da Universidade Federal Rural de
Pernambuco, desenvolve um dos seus trabalhos de campo.
A gestão da pequena propriedade é o foco da sua atuação, que
começou há sete anos. “Nós acompanhamos, assessoramos, contribuímos na formação
dessas famílias de agricultores em seus processos de gestão coletiva. Nós temos
indicativos e evidências de que a comunidade tem avançado”, afirma Soares.
“Isso é um trabalho que fazemos semanalmente, com vindas de
estudantes e a equipe da universidade. A gente faz todo esse acompanhamento nas
propriedades, na sede da Associação e nas feiras que eles comercializam na
cidade do Recife”, explica o agrônomo.
Desde que se formou na universidade, Guilherme sempre trabalhou
com assistência técnica e extensão, dando auxílio aos pequenos agricultores.
Telespectador assíduo do Globo Rural usou muitas reportagens do programa nas
reuniões que liderava nas comunidades, e ainda guarda muitas fitas cassetes com
gravações antigas. “Na época, quando eu me formei, fui trabalhar na margem do
São Francisco, no sertão da Bahia, e utilizei muitas dessas reportagens na
capacitação dos agricultores”, explica.
Na comunidade Marrecos, 42 famílias se mantêm em pequenas
propriedades graças às informações trazidas pela universidade. Arnaldo
Ferreira, ex-cortador de cana, e sua esposa, Maria de Freitas, não conseguiam
manter a família no campo, mesmo com os dois hectares de terra dos quais já
eram donos. Hoje, estão na lida com o urucum, que alguns também chamam de
colorau, por conta da diversificação.
“Eu estou trabalhando para mim. Não tem ninguém me olhando. O
meu salário é outro. Aumentou mais de 50%”, diz o agricultor. Além do urucum, a
propriedade passou a produzir jabuticaba, fruta-pão, coco, galinha e bode. De
tudo que Arnaldo plantou depois da vinda da universidade, é dos canteiros das
hortaliças que sai a maior parte da renda da família.
Para o trato das hortaliças, hoje Arnaldo conta com a ajuda das
filhas, mas só aos sábados e domingos, porque, durante a semana, elas têm
compromisso com a escola. Rubenice Maria de Freitas, a mais nova, de 16 anos,
está em um colégio técnico em Agropecuária. Silvânia Maria de Freitas, de 25 anos,
a mais velha, frequenta um curso de Agroindústria.
Maria José de Freitas, a filha do meio, de 24 anos, já é técnica
agrícola e, no início deste ano, passou no vestibular para a faculdade de
Agronomia. “Eu pensava buscar outro tipo de trabalho em outras cidades, cidades
maiores, mas, no decorrer do tempo, observei que o melhor estava mesmo na minha
propriedade, dentro da comunidade“, afirma.
Assim como as filhas de Arnaldo, outros jovens também resolveram
permanecer nas suas propriedades. Além da melhoria na renda e na qualidade de
vida, o acesso à internet ajudou nesse processo, e o centro comunitário se
tornou um ponto de encontro desse pessoal. A aquisição de computadores só foi
possível com os ajustes administrativos que a associação dos produtores também
sofreu.
“Eu acho que a gente renasceu após a vinda da universidade para
dentro da comunidade. A gente não tem um prazo definitivo para terminar, mas
antes a gente fazia as reuniões debaixo dos pés de jaca, debaixo dos pés de
manga. No período de inverno, a gente não tinha condição de fazer uma reunião
porque chovia. Hoje se pode dizer que a gente já tem um espaço onde colocar a
cabeça e não se molhar”, diz Damião Barbosa, um dos líderes da Associação dos
Produtores Agro ecológicos e Moradores da Comunidade do Imbé, Marrecos e Sítios
Vizinhos.
Mais que uma sede em construção e uma associação organizada,
Damião ressalta outras conquistas que ocorreram por aqui. “A gente começou
envolver os jovens e as mulheres. É importante, porque dá uma diversidade de
pensamento”, diz.
“Sair de um processo onde o jovem, primeiro, era educado para
trabalhar para senhor de engenho. Ele nunca tinha uma educação para dizer
assim, ‘olha, meu filho a sua propriedade pode lhe dar uma renda’. Não, era
‘meu filho, quando você ficar com certa idade, vai comigo para o engenho cortar
cana’”, afirma o líder comunitário.
No processo de inclusão da família nas decisões da associação, a
estufa das orquídeas materializa a conquista e a participação da mulher na vida
econômica da comunidade. De orquídea a hortaliça, tudo que é plantado e colhido
segue para a capital do estado, em um trajeto que leva pouco mais de uma hora.
A 100 metros da praia de Boa Viagem, uma das mais badaladas do
Recife, é possível encontrar os agricultores da comunidade Marrecos vendendo
seus produtos em uma pequena feira da cidade, realizada todo sábado. A
organização implantada no campo se mantém na hora da comercialização.
“Aqui é o auge de todo processo de trabalho que vem desde o
campo até a cidade, e que só se viabiliza através da organização”, conclui
Guilherme Soares. Já organizados, os agricultores da comunidade Marrecos
passaram a contar com o apoio de outras instituições além da universidade, como
entidades que bancam projetos específicos de produção e comercialização.
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