A máscara do bom gosto
Resolvi me meter numa seara nova, e neste texto escreverei
sobre música. O Yahoo! tem críticos culturais muito melhores que eu, com os
quais aprendo bastante. O grande Pedro Alexandre Sanches, do blog Ultrapop,
o cabra Dafne Sampaio (que recentemente nos abandonou para alçar novos voos)
sempre nos presentearam com seus textos e reflexões que são
"fora-do-lugar". Longe de mim me comparar a estes mestres, mas se de
técnico de futebol e de crítico todos nós temos um pouco, tomo a liberdade de
exercer esta veia.
E o motivo desta aventura foi um dos assuntos mais comentados no
Twitter no sábado, dia 14. "Eu odeio funk porque" foi um dos
principais tópicos do microblog, e o que se viu foi um show de horrores,
preconceitos que sequer se preocupavam em se esconder. Pincei dois exemplos só
para ilustrar: um usuário escreveu: "e pensar que o governo gastou
dinheiro com vacinas pra bebes que futuramente viriam a ser funkeiros...".
Um outro, ainda mais raivoso que o primeiro, "porque funk é uma bosta, não
pode nem ser considerado gênero musical :) funkeiro é uma raça imunda"
Em geral os mestres do bom gosto que odeiam funk baseiam seus
ódios manifestos em a) desqualificar a música b) Desqualificar as letras e, às
vezes, não tão manifestos assim, c) Desqualificar as pessoas que gostam ou
fazem funk.
Sobre a música, um pouquinho mais de cultura não devia fazer mal.
O violão, um instrumento temperado, cujas notas tem alguns poucos
"desenhos", já foi bastante criticado. Seria um "instrumento
burro", que "qualquer um podia tocar". Não é preciso quase nada
de cérebro pra perceber a origem do argumento.
E as letras de funk, como pode isso? É quase sempre uma exaltação
à sexualidade, objetifica as mulheres, tem rimas bestas e pobres! Realmente,
aqui temos um ponto interessante, um argumento sólido. As pessoas que reclamam
do lirismo dos morros cariocas leem Dante no original, adoram o "Paraíso
Perdido" de Milton, recitam Drummond de cor e salteado, né?
Ou será que ouvem mesmo o Jota Quest que é "fácil,
extremamente fácil", ou são roqueiros radicais que preferem onomatopéias
complexas, com muitos sentidos interpretativos como, por exemplo, "Bop
bopa-a-lu a whop bam boo Tutti frutti, oh Rudy"? Que tal um grande
expoente do Rock cantando uma letra do amor romântico e singelo como o
"Lick it up" do Kiss?
Contradições à parte, o verdadeiro argumento do ódio (veja bem,
"ódio") vem por último. Não odeiam o funk, odeiam os funkeiros, esta
"raça imunda" que não deveria sequer ser vacinada!
Por trás do preconceito musical, "fácil, extremamente
fácil", há um preconceito de classe, um higienismo social. Nada diferente
das críticas ao samba, muito comum no século passado, música burra que exaltava
o gingado e a sexualidade da (arggh) mulata!
(Pronto, já escrevi demais sobre o funk e o preconceito. Agora
deem licença que vou ali ouvir um Dead Kennedys)

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